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Paul
A turnê The Joshua Tree teve início nos Estados Unidos com diversas apresentações em arenas e, às vezes, em alguns estádios, e com alguns espetáculos ao ar livre na Europa.
A turnê decorreu em 1987, fomos capa da revista TIME, ganhamos o prêmio de Álbum do Ano nos Grammys no primeiro lugar dos tops da América.
Larry: As coisas mudaram muito depressa. A reação dos fãs deu um salto enorme e a atenção da comunicação social arrebentou a escala. Antes do The Joshua Tree, havia um certo nível de planejamento e, se houvesse caos, era, pelo menos, um caos organizado. Depois do lançamento do The Joshua Tree, a dimensão do que estava por vir mandou a dita organização para o ar.
Edge: Já foi há muito tempo. Acho que naquela ocasião ficamos um pouco passados. Mesmo antes de terminarmos o álbum, já andávamos em frenesi. A atmosfera em que trabalhávamos era muito carregada e muitas das pessoas que nos rodeavam se deixaram levar pelo entusiasmo. Era uma fantástica equipe de pessoal a dar o seu melhor ou, pelo menos, esforçando-se por isso. Atingimos um objetivo. Estávamos dominando a América. O álbum estava tendo uma boa saída, tudo acontecia muito depressa e nós nos limitamos a ter os pés bem firmes no chão.
Bono: No início da turnê, durante os ensaios em Tempe, no Arizona, bati a cara ao cair numa das minhas acrobacias. Ainda tenho a marca no meu queixo. Eu me perdia na música e, no início de cada concerto, gostava de conhecer o espaço físico do palco, a sua geometria, e subestimava o meu próprio físico. Pensamos que somos feitos de ferro, mas não somos. Batidas e contusões... São as recordações que tenho desta turnê. Dávamos espetáculos cada vez maiores e isso nem sempre era bom. Quando as coisas não estão correndo bem e eu sinto que não estamos conseguindo comunicar, enfrento momentos terríveis no palco. Uma espécie de escuridão desce sobre mim. Às vezes conseguia me livrar dela através das músicas como “Bullet the blue Sky” ou “Exit”, mas, outras vezes, não conseguia libertar-me dessa escuridão, ela não ia embora. A música é tão poderosa, que nos leva a lugares onde, às vezes, preferíamos não ter ido.
Larry: Éramos sempre inconscientes em palco e o Bono ficava fulo com a banda. Havia uma certa dose de desconforto por sermos elevados até àquele nível e não sermos capazes de fazer jus. Eu nunca cheguei a pensar que fôssemos assim tão bons. Quando tudo o que temos é a banda, a idéia de que podemos não ser capazes de enfrentar corajosamente a opinião pública é assustadora. Foi difícil desfrutar do momento com essa idéias na cabeça.
Bono: Lembro-me de todo esse período como sendo um momento de consciência, no sentido de que encarávamos a fama de forma séria, fingindo que não a queríamos, que era uma intrusão e que nos iria mudar. É tudo mentira. Nós quisemos a fama. Não tem de ser uma intrusão. E deve mudar-nos. Porque razão deveríamos querer ficar iguais?
Edge: Durante aquele período, o problema foi, de um momento para o outro, termos de descobrir quem realmente éramos. Estar, de repente, no meio de todo aquele frenesi da comunicação social fez-nos recuar um pouco. Havia uma enorme expectativa e uma certa responsabilidade que não podíamos ignorar. Fomos sempre muito auto críticos. Gravar um disco ou dar um espetáculo não é algo que o U2 faça sem qualquer esforço. Às vezes, a linha que separa o ‘conseguir’ do ‘estragar tudo’ é bastante fina. Quando a pessoa é o centro das atenções, isso pode transformar-se num receio quase paralisante de falhar.
Bono: Estava uma noite muito bonita em LA quando o Bob Dylan se juntou a nós no palco para cantar ‘Knocking on Heaven’s Door’. Ele cantou maravilhosamente e o público estava eufórico. Creio que ele ficou espantado. Estávamos nos anos 80 e, nesta fase, ele ainda não sabia muito bem qual era o seu lugar. Acho que essa noite o fez relembrar o poder da sua música. Depois, voltamos ao Sunset Marquis Hotel. Ficamos sempre nesse hotel desde que tínhamos 20 anos, mas, desta vez havia multidões lá fora. A rua estava interditada, pois as todas as pessoas tinham ido para a porta do hotel depois do concerto na esperança de conseguirem nos ver. Eram milhares de pessoas que não arredavam pé. O Bob disse: “Vejo que estão se saindo muito bem. Como estão correndo as coisas?” E eu disse: “Muito bem. É uma experiência única”. Ele olhou para mim com uma expressão séria e disse: “Imaginem o que é enfrentar isto sozinho.” Uma banda é algo forte, pois podemos estar de olho uns nos outros. O Bob Dylan nunca teve isso.
Edge: Eu, o T-Bone Burnett e o Bob Dylan acabamos indo para o meu quarto no hotel beber uns copos. Entretanto, o T-Bone sugeriu que compuséssemos uma música juntos. Eu tinha alguns rascunhos para uma música chamada ‘We Almost Made It This Time’. Peguei na minha guitarra e toquei-a para eles ouvirem. O Bob pensou durante alguns segundos e disse: “Gosto da idéia dos segredos. Que tal: I was listening to the Neville Brothers, it was a quarter of eight/ I had an appointment with Destiny but I knew she would come late/ She tricked me, she addicted me, she turned me on my head/ Now I can’t sleep with these secrets, they leave me cold and alone in my bed… We almost made it this time…” Não sei se ele já tinha escrito aqueles versos para um dia que viesse a precisar ou se as inventou ali no momento, mas fiquei sem palavras. Nem sequer consegui retorquir. Acho que com o Bono se passou o mesmo.
O T-Bone continuou como se não fosse nada, como se aquele tipo de coisa fosse algo habitual no Bob. Talvez até fosse, mas, para mim, foi como levar um soco do Muhammed Ali. Foi mais enriquecedor do que embaraçoso perceber que ainda tínhamos um longo caminho a percorrer. Nem sequer consegui retorquir. E acho que o Bono também não teve muito a dizer. Aquilo era exatamente o oposto do que tínhamos imaginado. Éramos agora uma banda de sucesso, convivíamos com o Bob Dylan, mas o nosso sucesso trazia consigo a percepção de validação artística. Acabou fazendo a gente se sentir pior. Conseguíamos nos aperceber das falhas e daquilo que não tínhamos sido capazes de fazer. Estávamos tentando viver à altura do respeito e da oportunidade que nos tinham sido dadas pelos nossos fãs e assumir este estatuto de grande grupo. Às vezes, era complicado. O Bono, sobretudo, enfrentou um período de sérias dúvidas acerca de si mesmo e do grupo como um todo. No meio de tudo isto, eu e a Aislinn tentávamos manter a família unida. Tivemos duas filhas durante um período em que o U2 gravou dois álbuns e embarcou em duas turnês. Foi bastante complicado para a Aislinn e eu caí em desespero tentando conciliar a banda e a família. Foi difícil e não posso dizer que ambas tenham tido a atenção que mereciam. A turnê ocorreu num período delicado, pois não é a situação ideal para ir para fora durante alguns meses quando se constituiu família há pouco tempo. Eu estava por minha conta. Foram tempos difíceis.
Bono: Foi complicado para não nos desorientarmos. Quando se enfrenta isto pela primeira vez, ainda não se sabe muito bem o que é a fama. É como se todas as moléculas começassem a vibrar em ritmos diferentes, há uma espécie de energia extravagante no ar. Mas não era tudo receios e aversão. Também houve muita bebida nessa turnê. Marguerittas, tequilha e muitas risadas. Foi um período de libertação do lado mais rígido da banda, o Glasnost pessoal do U2.
Larry: Andávamos viajando pela América e isso era fantástico. Não ficava triste por ver a traseira dos carros. O nosso avião era como um bordel voador, em termos de decoração e não em relação à atividade.
Adam: Foi bastante desafiador, mas eu adorava estar naqueles palcos enormes. É sempre um pouco mais difícil dominar todo aquele espaço físico, mas nós éramos um bom partido. Tudo corria às mil maravilhas. O avião e as limusines tornaram as turnês muito mais fáceis. É óbvio que era caótico, mas sempre o foi. Eu não sentia que houvesse grande diferença, pelo menos na minha perspectiva.
Larry: Quando votamos à Europa, tínhamos vendido sete milhões de álbuns e tínhamos tomado a decisão de começar a atuar em estádios. Foi uma aventura. Por mais que as apresentações em espaços fechados enfrentassem imensas dificuldades do ponto de vista da competência musical, os espetáculos ao ar livre originavam um novo grupo de problemas. Estávamos naqueles espaços enormes ao ar livre, sem reforço de vídeo. Os elementos da banda pareciam pequenos pontos e era difícil manter o contato físico com a nossa audiência. O som era sempre um problema. Havia vários elementos a levar em conta – condições meteorológicas, etc.
Bono: No estádio Flaminio em Roma, o Brian Eno ficou ao lado do palco. Regra geral, ele tinha sempre o seu lado emocional “desligado”, mas, desta vez, tinha lágrimas escorrendo-lhe pela cara a ouvir 35 mil pessoas a cantar “ha la lala de day”, o refrão de ‘Running to Stand Still’. Ele não conseguia acreditar. Pessoas de diferentes nacionalidades cantando uma das músicas que tínhamos composto juntos. Também tivemos uma noite fantástica no Estádio Bernabéu em Madrid. Estávamos contando com 100 mil pessoas, mas apareceram 120 mil. As pessoas empurravam-se umas às outras para conseguirem entrar, era impossível controlá-las. Nunca tínhamos visto tanta gente junta e isto não era um festival, era um concerto do U2. Saímos do palco e começaram todos a cantar: “Torero, torero, torero, torero”. Cem mil pessoas gritando “torero” é um som fantástico. E alguém disse: “Eles estão dizendo que vocês são toreiros. É o melhor elogio que podem dar à vocês”. Subi no palco de novo e pedi ao promotor local para traduzir o que eu dissesse. Disse-lhes: “Nós não somos o toureiro. Nós somos o touro!” Os espanhóis adoraram.
Edge: Demos dois espetáculos do Estádio de Wembley, para 144 mil pessoas, e atuamos novamente no Croke Park. Depois, tiramos algum tempo de férias durante o verão. Foi um alívio regressar a Dublin depois da grandiosa experiência na América e na Europa. Foi ótimo ver os meus filhos. Eu tinha uma certa dificuldade em me adaptar à vida de casa. Voltamos exaustos, mas reparamos que a casa agüenta bem sem nós. Entretanto nos apercebemos da falta que fizemos enquanto estávamos fora e tentamos voltar à rotina doméstica. Naquela fase, éramos a maior banda da América, talvez até a maior banda do mundo, e estávamos voltando à Dublin e à nossa vida normal. Era tudo muito simples, não havia aviões particulares nem carros de luxo. Tínhamos boas casas, mas continuava a ser um estilo de vida normal. A Aislinn assegurou-se de que as loucuras e extravagâncias ficassem do lado de fora de casa.
Na verdade, o primeiro sinal de grande loucura foi a idéia de fazer um filme em Hollywood. Creio que foi idéia do Paul McGuiness. Ele tinha estado ligado à indústria cinematográfica antes de vir trabalhar conosco e, provavelmente, sempre teve a intenção de regressar a essa área. Um filme sobre a banda seria o veículo perfeito.
Paul: A culpa foi minha e a assumo, pois fui eu que tive a idéia. Fascinava-me a idéia de ir mais além com uma maior divulgação duma altura daquelas e queria ver até onde conseguíamos chegar. Sempre tinha admirado o Coronel Parker e o Brian Epstein por terem percebido que a música conseguia capturar a imaginação do mundo inteiro.
Edge: Originalmente, a idéia era fazer um filme de baixo orçamento, exibi-lo apenas num determinado número de lugares e fazer disso uma espécie de evento dirigido aos fãs. Falamos com alguns realizadores, entre eles Jonathan Demme. Tínhamos adorado o Stop Making Sense, que ele tinha realizado com os Talking Heads. Phil Joanou foi o realizador mais jovem com quem falamos e o que tinha um CV menos extenso, mas ele era um prodígio em termos técnicos, que sabia muito sobre a banda, e o entusiasmo dele era inspirador. Não tínhamos propriamente um plano nem um texto para a realização de um filme. O nosso objetivo era descrever a turnê num filme de 16mm em preto e branco e ver no que dava.
Bono: O Joanou era um tipo formidável: cabeça pequena, cérebro grande e bastante técnico. Sabia nos descrever como eram feitas todas as cenas de um filme qualquer, dizia quais as luzes que foram usadas, que câmara, que lente. Queríamos fazer um filme sobre a nossa viagem musical pela América e tentar converter a turnê num mito.
Larry: A idéia inicial era financiarmos o filme e as filmagens das atuações com o dinheiro ganho na turnê The Joshua tree. Estava tudo correndo bem, mas começaram a acrescentar-se outras coisas ao plano de trabalho, já que podiam ficar bem no filme. Ficou uma monstruosidade. Atribuo a culpa à loucura da turnê The Joshua Tree. Perdemos o contato com a realidade.
Edge: Estávamos realizando um dos nossos primeiros shows em um estádio nos Estados Unidos, no Estádio Robert Kennedy, em Washington DC. A equipe do documentário estava presente e o show não estava indo muito bem. Naquele tempo quando um show do U2 não estava correndo bem, é porque não estava sendo bom mesmo. Era apenas uma seqüência de momentos e de músicas deslocadas que não produziam o efeito desejado. O ambiente no palco ficava bastante sombrio. Naquela noite em particular, na tentativa de fazer com que as coisas funcionassem, o Bono começou a correr a toda velocidade para um dos lados do palco. Como estava chuviscando, o piso ficou escorregadio. Ele escorregou e caiu sobre o ombro, deslocando-o.
Bono: A música era ‘Exit’ e ela me transportou para um lugar horrível. Eu escorreguei e cai sobre o ombro esquerdo, fiz uma ruptura em três ligamentos da clavícula. Estava com muita dor. Nunca cheguei a ficar completamente curado. O ombro ficou um pouco para frente e agora tenho que fazer exercícios para que volte a posição normal. Foi a fúria que provocou isso. Foi ali que percebi que a fúria pode sair de dentro de nós e nos prejudicar.
Edge: Ele terminou a música, sai do palco e foi para o hospital. O Phil Joanou é um diretor tão dedicado que entrou no carro aonde o Bono ia, e foi o caminho todo filmando o cantor atormentado cheio de dores. Não foi agradável, mas mostra o nível da angústia e intensidade que era predominante no grupo.
Larry: Tivemos que levar uma enfermeira com a gente na estrada para cuidar do ombro do Bono. Andou com o braço ao peito durante um mês. Nós vivíamos em Hamptons em Long Island, New York, e íamos de avião para os shows e voltávamos no mesmo dia. Tínhamos uma casa na praia. Foi durante o inverno, estava um tempo horrível e um frio de rachar. Não havia nada aberto nem qualquer movimento nas ruas.
Edge: Havia duas casas. Eu tinha uma família, por isso fiquei com uma. Duas casas acima ficava o complexo do U2, compartilhado pelo Bono, Ali, Larry, Ann e Adam. O Paul estava em uma casa no fundo da rua com a família. A Aislinn não queria muito ficar ali e eu não posso censurar. Não era dos melhores lugares para se viver com dois filhos ainda pequenos em setembro/outubro, quando o tempo costuma ficar mais frio e não há ninguém nas ruas. Naquela ocasião, pareceu ser boa idéia pegar o avião em Long Island para ir e vir dos shows na costa oriental, mas na verdade foi um erro.
Adam: Era estranho voltar para casa no meio da noite, pois não havia serviço de limpeza. Eu preferia ficar em hotéis.
Bono: O contraste entre o público e a alegria em um show do U2, depois uma espécie de silêncio no dia seguinte, e a vida familiar, me assustavam. Ainda não tinha entendido a psicologia dessa situação. Uma pessoa se esgotava em um palco e por isso ficava um vazio dentro de nós, que é natural depois de uma grande noite de show. Comecei então a perceber porque é que o Keith Richards tinha se tornado um viciado. Ele disse que era após as turnês, era aí que ele se voltava para a heroína. Se apresentasse todas as noites tudo bem, mas quando não apresentava é que havia um vazio que precisava ser preenchido.
Edge: Também houve muitos momentos de alegria pelo caminho. Os Dalton Brothers estrearam em Indianápolis. Estávamos nos preparando para o show quando apareceu o Paul McGuinness e disse: “Os Los Lobos perderam o avião, não vão conseguir chegar.” Ficamos pensando até que nos surgiu a idéia de fazer a abertura do nosso próprio show. Vestimos-nos de cowboys, subimos no palco e cantamos algumas músicas country. Estávamos horríveis, mas em lugares assim grandes, só as pessoas das primeiras cinco ou seis fileiras é que conseguiam ver a nossa cara. Houve quem nos reconhecesse e após umas três músicas começaram a espalhar a notícia. Entretanto, o pessoal da frente estava em uma enorme agitação e só se ouviam gargalhadas. O restante estava comprando pipocas. Praticamente ninguém do fundo estava prestando atenção.
Adam: Ainda ouvimos algum “Boo!”. Mas acho que fez parte da diversão.
Bono: Alton Dalton, Luke Dalton e Betty Dalton. O Adam deu uma Linda Betty. Tocamos algumas músicas. Lembro de ter encontrado o Dr. Udo, o nosso promotor japonês, que já não víamos há alguns anos. Ele não percebeu que estávamos disfarçados e limitou a dizer: “Meu Deus, estão tão mudados! É isso que é preciso para ser uma grande banda na América?”
Adam: Tínhamos um rol de músicas country que podiam ser acompanhadas por um violão. Conseguimos tocar até o final a música dos Eagles, ‘Tequila Sunrise’, dos nossos tempos da Mount Temple e o Edge sabia algumas músicas do Hank Williams, como ‘Lost Highway’. Fazia tudo parte do que acontecia naquela turnê, havia um elemento de busca da genuína música americana. De certa forma foi daí que surgiu o álbum Rattle and Hum.
Bono: Fizemos shows duas noites em Los Angeles. Um dia acordei com uma música na cabeça: ‘Love Rescue Me’. Muitas músicas surgem durante o sonho. A princípio achamos que é uma música de outra pessoa, pois estava completa, estrofes, coro, melodia. Eu tinha sonhado com o Bob Dylan e pensei que poderia ser uma música dele. Era sobre um homem que todas as pessoas recorrem como sendo um Salvador, mas a sua própria vida esta ficando de pernas para o ar, e é ele quem precisa de salvação. Escrevi alguns versos, não sabia muito bem o que fazer com eles. Até que lembrei: “Eu tenho o número de telefone do Bob Dylan. Por que não telefono para ele?” E ele me convidou para ir à sua casa.
Ele morava na costa californiana, fora de Los Angeles, em uma zona discreta, nem dava para imaginar que vivesse ali alguém tão famoso. Eu estava super feliz por estar ali com meu herói. Ele foi sempre muito simpático e generoso comigo. Contei que tinha acordado pensando em uma música e que achava que era dele. Ele disse: “Toca.” Toquei aquilo que sabia e disse: “É sua?” E ele disse: “Não, mas podia ser.” Então vamos terminá-la. Ele canta coisas fantásticas que lhe vem à cabeça. E saiu com essa frase: I’m hanging by my thumbs, I’m read for whatever comes, love rescue me. Pendurado pelos polegares (‘Hanging by my thumbs!’). Excelente imagem na música.
Aprendi muito com o Bob Dylan, apenas compondo com ele. Aprendi a escrever letras. ‘Love Rescue Me’ é sobre a auto-aversão e a frase ‘the place of my shame’ (o palácio da minha vergonha) foi uma idéia interessante. Parte da doença de uma estrela de rock é o fato de sofrer as conseqüências dos seus próprios atos. Todos os escritores acham que os seus sentimentos são importantes, mas um grande escritor percebe que embora seus sentimentos sejam importantes, nem todos são suficientes para serem partilhados. ‘The palace of your shame’ descreve a forma como as pessoas transformam sua vida em um monumento de compaixão. Os irlandeses adoram melancolia. É aquele encanto amargo no qual somos peritos. Eu sempre achei que era por causa da chuva.
Toda a minha vida procurei mestres e fiz de mim um aluno. Sempre vivi como aprendiz. É por isso que escrevo melhor esse ano do que escrevia no ano passado, e provavelmente serei ainda melhor ano que vem. Todo mundo aprende coisas e eu estarei sempre preparado para ser humilde perante alguém que sabe mais do que eu. Uma vez disse ao Lou Reed: “Se você tivesse um conselho para me dar em relação às letras das músicas, que conselho seria?” Ele olhou para mim tocou uns acordes e disse: “Não tenha medo de perder a rima.” Ótimo. Mas, mais uma vez, somente passado uns anos depois é que entendi a mensagem.
Ser famosos se formos inteligentes, nos coloca em um caminho para mais aprendizagem em vez de ficarmos parados por ali. Temos a oportunidade de conhecer pessoas que admiramos, de explorar idéias que de outra forma não teríamos a possibilidade de explorar, de ir à origem das coisas. Deixamos a privacidade para trás, mas a vida da imagem se transforma na verdadeira mansão. Há mais “quartos” onde podemos entrar. Frank Sinatra, Johnny Cash, Allen Ginsberg. Fui atrás de todas essas pessoas para ver o que podia aprender. No Reino Unido e na Irlanda, essas pessoas são tratadas como velhos fantasmas, mas na Índia e em outras culturas quando as pessoas atingem os 60 anos é que começam a adquirir o seu poder. É nessa altura que estão repletos de sabedoria. Por outro lado, na música rock, conta-se que a pessoa não passe dos 27 anos.
Edge: Estávamos tentando reunir material novo para o álbum que veio a se chamar Rattle and Hum. Comecei a trabalhar algumas músicas em uma pequena casa em Connemara, na parte ocidental da Irlanda, antes de voltarmos à estrada. Estávamos claramente trabalhando no conceito das origens da música americana que tinha sido abordado durante a turnê. Eu estava ouvindo a compilação do Dylan, Biograph, que tinha acabado de ser lançada, e tinha os primeiros discos dos Stooges e também uma coletânea do Lefty Frizzel, um impressionante cantor country dos anos 50. O Bono foi passar uns dias comigo. A partir da música que eu já tinha, traçamos as linhas gerais de Desire e Angel Of Harlem. Comecei a trabalhar outras melodias que vieram ser ‘Hawkmoon 269’ e ‘All I Want is You’, e o Bono trabalhou ‘When Love Comes To Town’. Ele achava que a música era muito tradicional para nós. Umas semanas antes tínhamos ido ver o B.B King e depois do show o B.B disse: “Adoraria que me compusessem uma canção.” Surgiu então a idéia de ser o B.B cantando essa música.
Bono: O B.B King estava esperando que lhe mostrássemos a música. Como seria de se esperar eu não tinha terminado. Escrevi a letra no banheiro em 10 minutos, enquanto ele esperava lá embaixo. Sai do banheiro, me vesti, desci e entreguei a música. Foi um momento profundamente humilhante ter um homem tão grandioso lendo a letra da minha música. Fala dos soldados que deitaram sortes para dividir entre si as vestes de Jesus. O tema eminente é a traição. E ele disse: "Ainda é muito novo para escrever letras tão pesadas".
Edge: Ensaiamos a música com ele diversas vezes e conseguimos convencê-lo a se apresentar conosco nessa noite. Ele é uma pessoa incrível, graciosa, com um coração enorme e uma alma incrível. Ele é daquelas pessoas para quem tudo é música. Estar ao lado dele em palco enquanto cantava foi algo verdadeiramente arrebatador. Que ele tocava bem guitarra, isso nós já sabíamos, mas nunca tínhamos percebido do magnífico cantor que era. A definição da faixa de ‘When Love Comes To Town’ foi feita no Sun Studios em Memphis. Demos um show no Tennessee e conseguimos que o estúdio abrisse durante alguns dias. Tivemos a ajudo do ‘cowboy’ Jack Clements, o engenheiro de som que o Sam Philips usou para a gravação do Elvis. Pegamos em algum equipamento que já estava com teias de aranhas desde os anos 60, desde que aquele lugar tinha deixado de ser um estúdio em funcionamento. Foi incrível, pois o som estava lá, nos tijolos e na argamassa. Não foi nada artificial, foi apenas o sentimento e a acústica do espaço em si.
Bono: Os microfones ainda eram os mesmos que o Elvis tinha usado. O espaço era pequeno. O chão era em pedra, forrado com linóleo, as paredes tinham uma espécie de revestimento acústico, tudo a lá anos 50. O som era verdadeiramente estridente. Convidamos os Memphis Horns e gravamos ‘Angel Of Harlem’. Achei que o pessoal precisava se descontrair um pouco e comecei a distribuir garrafas de Absolut Vodka. Entreguei uma aos trompetistas e estávamos todos rindo quando o cowboy veio falar comigo. Ele era uma pessoa que gostava de arrumar problemas, mas também sabia quando não devia arrumar. Virou-se para mim e disse: “Bono, há quanto tempo anda nisso?” E eu disse: “Em torno de 10 anos”. Ele respondeu: “Há 10 anos e ainda não sabe que não se dá Absolut Vodka aos trompetistas? Pode dar a qualquer pessoa menos aos trompetistas”. E eu perguntei: “Por que os trompetistas em particular?” E ele disse: “Presta atenção seu tonto, tenta tocar trompete com os lábios descoordenados”.
Adam: O objetivo era gravar essas músicas, como pequenos esboços para quebrar a duração das apresentações durante a turnê. Nessa época ainda são sabíamos que o álbum ia ser duplo. Era apenas uma forma de organizarmos as coisas para o filme.
Bono: Aconteceu uma coisa estranha no final da turnê The Joshua Tree. Participamos da campanha do dia de Martin Luther King em Tempe, no Arizona, local de abertura da turnê em abril. Havia um governador chamado Mecham que era contra tudo isso e nós nos envolvemos na política local e manifestamos o nosso apoio. Voltamos a Tempe no final da turnê, em dezembro, para apresentar no Sun Devil Stadium.
Recebi ameaças de morte durante toda a turnê. Uma delas foi levada bastante a serio por parte do FBI. Havia um cara racista que se sentia ofendido com o nosso trabalho. Achava que estávamos nos metendo na vida de outras pessoas e que estávamos a favor dos negros.
Em uma das noites os homens do FBI disseram: “Isso é sério. Ele diz que tem um ingresso para o show. Diz que está armado, e que se vocês tocarem Pride (In the Name of Love) vai te dar um tiro”. Começamos o show com os homens do FBI por perto, e estávamos nervosos. Não fazíamos idéia de onde ele estava. Será que estava presente? Será que estava nas grades? Será que estava em cima da cobertura? Durante a música Pride estava eu naquela parte: Early morning April 4, shot rings out in a Memphis sky, fechei os olhos e fui cantando. Quando abri os olhos, o Adam estava na minha frente.
Edge: A turnê foi um grande sucesso e o disco estava tendo uma saída incrível. Venderam 20 mil cópias. Estávamos atravessando uma fase bastante positiva. Apesar de toda a nossa angústia, tudo acontecia a mil maravilhas. Até que em determinada altura, começamos a pensar nos custos referentes a rodagem do nosso filme e lembramos: “Caramba, ainda não elaboramos um plano para isso”. Fizemos as coisas ao contrário. Contratamos um diretor, começamos a filmagem e uma vez que era um documentário, tínhamos todos os atores e locais definidos antes de sequer termos um contrato. Talvez não seja a melhor forma de fazer as coisas. Começou a tornar-se obvio que a única forma de conseguirmos recuperar o dinheiro que tínhamos gasto era falando com os estúdios maiores. Tivemos então uma reunião com a Paramount Pictures e foi o clássico de colocar as cartas na mesa e ficar à espera.
Paul: Gastamos cinco milhões de dólares de nosso dinheiro para fazer o filme e vendemos à Paramount pelo mesmo valor. Foi uma enorme sensação de alivio, pois já estávamos em uma situação de aperto há algum tempo.
Larry: Quando a Paramount Pictures se envolveu já não íamos fazer um filme de estrada.
Edge: Em vez de estrear em 20 salas, o filme ia estrear em 120. Íamos filmar apenas o habitual de um documentário e esperávamos que no meio de tudo aquilo houvesse algo que se pudesse aproveitar e ser transformado em uma história. A turnê terminou na América e nós voltamos a Dublin. O Phil estava trabalhando em Los Angeles, tratando da edição e fazendo a seleção das cenas. Ele tinha horas e horas de fita de nós convivendo, passeando, quebrando o nariz um dos outros, coisas assim. Nenhum de nós fazia idéia do que aquilo ia dar. Depois, o Phil começou a dizer que tínhamos que dar uma fundamentação ao filme, pois faltava um conceito. Então veio a Dublin para filmar algumas entrevistas e uma ou outra cena para completar o vídeo.
Adam: Tínhamos feito ‘demo’ de algumas músicas em Dublin. ‘Desire’ já estava pronta e o Phil filmou uma versão dessa música no Point Depot, que na época era um armazém e só depois que se tornou um espaço para shows.
Edge: Eu trabalhava em uma pequena casa em Rathgar. Tinha comprado junto com a Aislinn, uma casa espaçosa em Monkstown, mas ainda não tínhamos mudado. Continuando, eu estava em casa ensaiando e tocaram a campainha. Estava tocando em um ritmo fantástico, mas não conseguia achar o gravador. Por isso, fui tocando até a porta, abri sem parar de tocar. Era o carteiro. Entregou duas cartas. As peguei, e joguei em cima da mesa da entrada, sempre tocando e disse: “Obrigada, tchauzinho.” Fechei a porta sem parar de tocar, subi as escadas e achei o gravador junto à minha cama e gravei o riff. E assim surgiu ‘Desire’.
Bono: ‘Desire’ é um pequeno clássico. O Edge se inspirou no ritmo de The Stooges ‘69’ que por sua vez tinham se inspirado no ritmo de Bo Diddley. O ritmo é o sexo da música. Eu queria declarar a religiosidade dos shows de rock’n’roll e o fato de que somos pagos por eles. Por um lado estou criticando os pregadores lunáticos quando digo na música ‘stealing hearts at a travelling show’ (roubam corações em um show itinerante), mas começo agora a perceber que existe um verdadeiro paralelo entre o que eu estou fazendo e o que eles fazem.
Adam: Em junho de 1988 mudamos para LA para terminar a mixagem de som do filme e fazer o que é agora um álbum ao vivo e algumas faixas de estúdio. Inicialmente iam aparecer apenas cinco ou seis faixas novas no filme, mas estava ficando muito longo e acabamos por ficar com nove no total, o que já é praticamente um álbum novo.
Bono: Qualquer outra banda teria provavelmente lançado o álbum ao vivo e regressado para casa, mas nós estávamos determinados a fazer algo mais original. Queríamos que fosse o álbum da turnê, em cima e fora do palco, acrescentando ao meio das apresentações da turnê Joshua Tree o que tínhamos aprendido com a música americana.
Bono: Eu e o Edge fomos conversar com o Phil antes de todos chegarem e ficamos vendo ele tratar da edição da parte ao vivo. Entretanto chegou o resto da banda. Foi fantástico. Encontramos uma casa que mais parecia um quartel do exército, com um campo e uma piscina no meio. Não tinha ar condicionado e estava prestes a ser derrubada. Este era o seu último arrendamento. Era enorme, mas era barata. Ficava em Bel-Air, na zona de Hollywood Hills.
Larry: Era como a ‘Invencível Família Brady’. Quatro quartos em uma casa gigantesca que estava desabitada há algum tempo. Tivemos que alugar tudo: mobílias, tapetes, posters para parede, televisão. Era um lugar maluco.
Edge: Quando chegamos a Los Angeles, houve uma certa desarmonia no ar. Aluguei uma casa com a minha família e os outros ficaram todos juntos em outro lugar. Eu estava tendo uma vida plena em Beverly Hills. E eles estavam se divertindo muito lá na comuna hippy em Bel Air. O contraste era bastante desprezível. Dediquei a trabalhar no álbum e a visionar a pós- produção áudio do filme. Seria bom dizer que através da minha determinação e dedicação extrema, consegui salvar o disco, mas admito que também não estava no meu melhor e que a esquizofrenia do disco reflete os momentos estranhos que estávamos passando.
Bono: Vivíamos bem. Eu tinha uma Harley-Davidson e ia de moto trabalhar. Estávamos começando a viver à noite, passávamos o tempo na cidade baixa, afastados das grandes altitudes, em todos os sentidos. Como o passar dos anos o coração da cidade passou para ocidente e a cidade baixa foi transformada em um centro de comercio bancário e de negócios, com o fantasma do seu passado animado apenas em clubes de jazz e em locais de dança. É um lugar estranho e esquizofrênico, onde podemos encontrar pessoas de fato pisando em porcarias e seguindo caminho concentradas em direção às suas torres espelhadas. LA não é uma cidade animada. Às dez da noite as pessoas já estão na cama para levantarem bem cedinho e irem trabalhar, mas nós íamos pela 101, pela auto-estrada até o centro da cidade.
Havia lá um clube chamado The Flaming Colossus e era um lugar extraordinariamente imaginativo. Em um dia havia música cigana, no outro árabe, bandas ao vivo, dança do ventre, encontros de engolidores de espadas. Todo tipo de pessoas que viviam da noite reunia-se lá. Já não me importava que as pessoas olhassem para mim, começava agora ser mais desinibido. Saia para dançar, fazia maluquices. Desenvolvi um gosto especial por whisky. O whisky não me deixava sonolento, ao contrário do vinho, que é o que bebo atualmente, por isso não ficava com vontade de dormir. Preferia pular das grades do telhado. Podia beber muito e nunca ficava bêbado, mas estava me expondo muito, por isso, parei. “Epa, o cara que escreveu a letra sobre Martin Luther King é o mesmo cara que me tentou dar um soco no nariz?” Tive que parar.
Adam: Fui a uma festa na mansão da Playboy. Vicky, a mulher do nosso produtor Jimmy Lovine, ofereceu para me levar lá com uma ou duas amigas dela. Muitas das coelhinhas ou ex-coelhinhas que vi eram mais velhas do que eu, era claramente de uma “colheita” diferente. Na época eu tinha 28 anos e acho que era o homem mais novo da festa. Estavam lá o Berry Gordy e o Tony Curtis. Dei umas voltas lá dentro, mas aquilo não era um mundo de erotismo com o qual os europeus se identificassem. Não cheguei a ter a oportunidade de conhecer o lendário Hugh Hefner. Havia muitas limusines alinhadas à porta e ele estava muito ocupado falando com os verdadeiros VIP’s. O baixista do U2 em 1988 não lhe dizia nada.
Bono: Los Angeles é uma cidade construída a partir da imaginação das pessoas. O que a Boeing e a Microsoft são para Seattle, as indústrias cinematográficas e as gravadoras são para LA. Quando se é uma estrela, é como se fossemos o capitão da indústria. Os carros da polícia avançam ao nosso lado, com os strobes ligados e os guardas nos saudando através do alto-falante colocado em cima do carro: “O novo álbum é o máximo!” Lembro de uma vez terem me mandado parar. Estava dirigindo um Chevy 1963 e pediram para encostar. Falaram: “Mostre-me a sua identidade.” E eu disse: “Não tenho nada comigo”. E eles: “Não tem nenhum documento? Tem que ter algum”. E eu mostrei uma foto minha com o Bob Dylan. Foi tipo: “Pronto. Siga seu rumo, colega”. Todo mundo respeitava o Bob. Estive mais vezes com o Bob nesse tempo. Ele significa mais para mim do que qualquer outro artista ligado à música ou à arte. Não o vejo como um compositor, o vejo como artista. Para mim ele é Goya e Shakespeare em uma só pessoa. Viu alguma coisa em mim, mas que ainda não estava totalmente formada. Tal como o Van Morrison disse nessa época: “O Bono vai ser grandioso quando estiver completo.” Encarei isso como um elogio, pois também pensava o mesmo. O fato de vendermos muitos discos não era o importante. Eu estava crescendo, estávamos melhorando como banda e isso é que importava.
Larry: Estávamos gravando no A&M Studios. O Jimmy Iovine era o produtor. Ele tinha uma forma muito particular de trabalhar. Entrava no estúdio, escutava um pouco e dizia: “Precisam trabalhar mais nisso.” Depois ia embora. Não tínhamos o mesmo tipo de abordagem que estávamos acostumados com o Brian ou com o Danny. Tínhamos sim uma chamada à realidade: “Ainda não está pronto. Não posso ajudá-los. Tem que ser vocês mesmos resolvendo isso”. Era uma espécie de tomada de consciência. Contudo o que nos diz respeito às músicas penso que há um excelente trabalho nesse disco. O Jimmy deixava bastante claro do que as músicas precisavam, só não estava por perto o tempo suficiente para nos dar um empurrão. A nossa concentração dependia fortemente da banda, sobretudo do Bono e do Edge. Não há nenhuma música desse período que pareça inacabada. Estão todas como deveriam estar.
Bono: Às vezes, a coisa mais importante que um produtor pode nos dizer é que a música ainda não está no ponto ou nos mostrar que parte da gravação ficou melhor. Nós tocávamos uma música ao Jimmy e ele era do gênero: “Gostei do refrão.” E nós falávamos: “Por que? Acha que devemos modificar a estrofe?” E ele: “Não, acho que o refrão é a estrofe. Agora façam um refrão.” Ele tem um QI elevado, mas não é o tipo de músico que chega lá, pega em um instrumento e começa a improvisar junto com a gente. Éramos um grupo punk rock tentando interpretar Bach. As nossas limitações nos davam mais força, mas precisávamos de tecladistas por perto, precisávamos fazer outras experiências para seguirmos um rumo novo. Se fossemos mais completos como banda, ele teria sido o produtor perfeito para o U2. O Jimmy Iovine tem sido uma das maiores influências na vida da banda e na minha, em particular, como ajudante e como amigo. Desafiou-me, sobretudo, como poeta lírico, pois durante as conversas ele tinha sempre as melhores deixas. Se olhar para trás, para todo o trabalho que foi feito nos anos 80, sinto que precisava ter sido mais desafiado.
Edge: Eu era aquele que tentava que o disco desse em alguma coisa, quando parecia que o Bono e o restante dos membros andavam na boa vida mais do que nunca. O Jimmy Iovine não sabia o que pensar. Perante ele estava a banda que tinha escrito letras sobre os direitos civis e sobre Deus a converter-se em entusiasta da noite em LA. Eu me agarrei ao disco como uma espécie de salva-vidas. Estava me afundando e o meu casamento estava por um fio. Creio que eu era o único, e também talvez o Larry, que não era muito dado a festa. Quer dizer, havia muitas festas na minha casa em Beverly Hills, mas não enquanto eu estava lá. Acho que se eu tivesse disposto, já não teria voltado. Tornou-se tão mau, que por vezes eu ficava no carro na porta de casa pensando: “Quanto dinheiro é que terei no bolso? Até onde daria para ir?” Passava na minha cabeça ir embora, sair dali para respirar ar puro. Entreguei-me totalmente ao disco, o que provavelmente não ajudou na situação em casa. Acho que a Aislinn se sentiu abandonada, pois eu andava tão embrenhado no trabalho, que nunca estava presente. Não me refiro apenas a um pequeno transtorno, refiro-me a problemas fundamentais que sempre estiveram ocultos e que devido a toda essa pressão no negócio da gravadora e do sucesso que tínhamos, vieram todos a tona.
Larry: Los Angeles era uma repetição de crises, um problema seguido do outro no disco, no filme e na vida. Comecei a sentir saudades de casa. Não havia para onde ir, o lugar fecha as nove em ponto. No meu tempo livre pedia uma moto emprestada e ia dar uma volta por LA. Trabalhar no A&M estúdios era muito legal, mas havia outro estúdio, o Ocean Way, que era subterrâneo onde não entrava luz do dia. Eu não conseguia suportar. Estava desesperado para sair de LA.
Bono: ‘Hawkmoon 269’ foi gravada no Sunset Sound, com todas aquelas confusões que acontecem lá. Apreensões de drogas, Sunset Strip, prostitutas. Todos os anúncios luminosos publicando sexo. Dá para sentir tudo isso na Hawkmoon.
Edge: Hawkmoon é um lugar em Rapid City, Dakota. Passamos lá na turnê Conspiracy Of Hope. 269 vêm dos números de misturas. Perdemos três semanas com essa faixa.
Larry: Mostra a situação em que nos encontrávamos. Tínhamos perdido a capacidade de tomar decisões.
Adam: Em determinada altura, eu e o Bono alugamos um Jeep Cherokee e fomos de LA até New Orleans. O Bono tratava da orientação e eu dirigia. Não conseguia confiar nele com as mãos no volante.
Bono: Começamos a viagem na Nacional 10, uma estrada que faz a ligação entre a costa ocidental com o lado oriental. Quando se sai de LA, deixa-se para trás uma América e entra em outra. É a verdadeira América, uma América que eu admiro. Enchemos o carro com discos do Johnny Cash e lá fomos nós, em direção ao Painted Desert, atravessamos uma cidade chamada Truth and Consequence, o Novo México, Arizona, Texas, Tennessee. Não sabíamos ao certo para onde íamos, fomos inventando ao longo da viagem. Foi uma aventura.
Adam: Foram duas semanas de viagem. Viajávamos durante o dia, passávamos a noite em um motel, comíamos qualquer coisa e seguíamos caminho no dia seguinte pela manhã.
Bono: Até que ficamos sem carro. Ele pifou e tivemos de pedir carona. Um corvette, conduzido por um rapaz novo, encostou. O sujeito fez uma cara de espanto e disse: “Vocês são quem estou pensando?” E nós falamos: “Somos”. Entramos no carro e ele ia nos deixar onde nós quiséssemos. Olhou para gente e disse: “Nem vão acreditar. Estava agora mesmo ouvindo a música de vocês e de repente os vejo na estrada’. Entretanto ele colocou ‘Where The Streets Have No Name’. Ficamos ouvindo o último minuto da música do seu poderoso sistema de som e estávamos um pouco envergonhados. No final da música aconteceu uma coisa que me deixou perplexo. Parecia o fim do mundo, parecia que o Godzilla estava dando passos violentos no chão junto ao carro. Era o melhor som de bombo que eu já tinha ouvido. Pensei: “O que é isso?” Era tipo “Boom-boom-whoo! Boom-boom-whoo!” Olhei para o Adam e o Adam olhou para mim. Nunca tínhamos ouvido um som tão intenso. Era ‘Pour Some Sugar on Me’ dos Def Leppard e parecia ter o dobro de intensidade do que ‘Where The Streets Have No Name’. Tomamos a devida nota! Porque no final das contas, as pessoas escolhem as músicas que melhor se adaptam aos aparelhos de som, o que é algo que os músicos não gostam de admitir. Ambos tomamos a devida nota que nos próximos discos deveríamos experimentar uma vertente mais sônica.
Adam: Nessa época, ainda conseguíamos ir a lugares sem que as pessoas reconhecessem logo o Bono, por isso, ele ainda atravessava uma fase de alguma liberdade. Ficamos uns dias em Santa Fé, no Novo México, uma fantástica cidade turística. Não paramos em nenhum lugar no Texas, porque era um estado enorme. Estivemos algum tempo em Memphis, onde convivemos com alguns amigos.
Bono: Encontramos com o Robert Palmer, o considerável crítico do New York Times, que tinha escrito ‘Deep Blues’. Ele gostava tanto de blues que vivia em Memphis. Acho que ele tinha graves problemas de saúde, e teve alguns problemas com drogas quando era mais novo, mas era o mais encantador dos homens e tinha uma paixão genuína por música. Tinha uma banda onde tocava clarinete e tinha alguns amigos brilhantes. Ele nos disse: “Se estão interessados em blues, eu mostro a vocês o blues”, E fomos a Memphis, viajamos pelo país, fomos aos campos de algodão, a um Juke Joint (bar de blues), que era o único lugar onde se podia beber em um domingo. Havia pessoas bebendo e tocando.
Adam: Como estão muito longe da cidade e não tem dinheiro para os transportes, nos finais de semana os trabalhadores rurais reúnem-se em uma casa de um deles e a transformam em um salão de baile. Os músicos locais se juntam, é tudo muito rústico e genuíno, semelhante ao que acontece na parte ocidental da Irlanda, mas com negros.
Bono: O Robert Palmer disse: “Nem todos os grandes nomes de Blues foram para Chicago. Um dos maiores é um cara chamado Junior Kimbrough. Ainda toca aqui de vez em quando”. Estávamos em um lugar aonde a música vinha do porão. Não sei que instrumentos tinham lá embaixo, mas o som ecoava em todo o edifício. Havia pessoas tocando, partilhando instrumentos, conversando enquanto eles tocavam bateria, canções incríveis. Uma amiga nossa, chamada Lian Lunson, esteve sempre com a gente durante um ou dois dias. Os convidados de fora da cidade acabam sempre entrando para conhecer o Junior. Ele devia ter uns 70 anos. Estendeu a mão para nos cumprimentar. Correspondemos a gentileza e fingimos que conhecíamos o material dele. Esperamos uma hora até o sol se por. Depois o Junior saiu e a multidão de 50 ou 60 pessoas se dividiram como na história de Moisés e o Mar Vermelho. Ele limitou-se a avançar, agarrou uma guitarra, soltou um gemido de fazer gelar o sangue, e começou uma canção chamada ‘I’m Going to Rape You, Little Girl’, que chamou a atenção de imediato da nossa companheira de viagem, a Lian, e a nós também. Acho que ele estava nos cutucando para se divertir. Mas fez-se música, muito, muito intensa. Depois as cosias começaram a ficar malucas, o álcool começava a subir na cabeça das pessoas. O Robert Palmer disse: “Acho melhor irem embora.” E nós dissemos: “E você, não vem?” Ele respondeu: “Não, a mim aqui ninguém faz mal.” E nós fomos embora.
Houve outro momento marcante em Memphis. O nosso carro tinha quebrado, mas acabamos pegando carona. Estávamos esperando por um táxi quando apareceu uma garota de limusine, vestida como qualquer motorista de limusine, mas com uma mini saia de couro. Era muito simpática e nos levou a diversos lugares. Era domingo e ela nos ouviu dizer que gostaríamos de descobrir igrejas onde o Al Green cantava e nos disse: “Eu posso levar vocês lá.” E lá fomos nós para a tal igreja. O Al Green não estava, acredito que não pregada todos os dias, mas ficamos para a cerimônia. O pregador estava um pouco elevado. Não conseguia nos ver, estávamos sentados lá atrás, mas começou a dizer:
“Deus os vê, Deus os vê. Mesmo que se escondam, Ele os vê. Não importa de onde vêm. Ele sabe para onde vão. Podem ter tomado a Nacional 10. Podem ter ido em direção a New Orleans, ter ido a Memphis e podem encontrar o Senhor.” O Adam ficou olhando para mim e eu olhando para ele. O pregador disse: “E podem estar nessa estrada nacional, podem estar no nosso SUV, podem ter mudanças automáticas ou não, e até podem não ter os pés nos pedais. Mas quero que saibam que nessa vida, não há barrade proteção e nunca sabem quando podem capotar. Se está aqui nessa noite alguém que sinto que o Senhor lhe fale, levante-se.” E o Adam sussurrou: “Ele está falando de nós.” Mas eu pensei: “Como é que ele sabe tudo isso?” Ficamos sem saber se devíamos ou não levantar, por a mão no ar, não vai haver alguma benção. Eu entrego a minha vida ao senhor seja quando for, mas o Adam começou a dizer: “Estou me sentindo desconfortável aqui, e você?” No final da cerimônia eu disse a alguns paroquianos: “Quando é que o Al vai estar aqui?” E eles disseram: “Qual Al?” “O Al Green” respondi. “Não o Al não canta aqui. Canta em outra igreja, do outro lado da cidade”. E nós falamos: “Mas foi uma motorista de limusine, a Melissa, que nos trouxe aqui”. E eles nos disseram: “Ah, ela é filha do pregador”. Ela própria tinha se tornado uma “pescadora” de homens e nos enganou. Foi lindo.
Adam: Prosseguimos caminho para Nashville e encontramos o ‘cowboy’ Jack Clement. Apresentou-nos para muita gente. Passamos horas muito divertidas no estúdio com o John Prine e fomos visitar o Johnny Cash.
Bono: O Johnny Cash nos convidou para almoçar. Havia uma gigantesca mesa de carvalho francês posta com comida para cem pessoas. Nós éramos apenas cinco. A mulher do Johnny, a June Carter Cash, entrou e disse: “Não se preocupem, não têm que comer tudo isso. É só para tirar umas fotografias para o meu novo livro de culinária. Nós vamos comer aqui.” A seguimos então para outra sala com um banquete mais modesto. O Johnny era como um príncipe. Era inteligente, talentoso e machista, mas suavizado pela sua humildade. Deu graças com uma bela oração, agradecendo a Deus tudo o que estava sobre a mesa e dentro das quatro paredes, sob o teto, e tudo o que estava no exterior. Fiquei muito emocionado. Depois o Johnny abriu os olhos, virou-se para mim e disse: “Mas a verdade é que sinto falta das drogas!” Conversamos sobre poetas irlandeses e sobre as Escrituras. Perguntei se sabia a origem do nome Cash e ele disse: “Sim, vem de uma família baronial escocesa. A Família Cash.” E eu disse: “Não concordo com você Johnny. Os Cash são uma gente nômade, que gosta de cavalos, e são de Wexford, na Irlanda.” E ele me mostrou um sorriso amarelo.
Adam: Em New Orleans, encontramos com o Daniel Lanois, que estava com os Neville Brothers e toda a equipe. O Danny tinha acabado de fazer o álbum Oh Mercy com o Dylan. Foi o Bono que os apresentou, e foi aquele álbum que trouxe o Dylan de onde quer que ele tenha estado a definhar.
Bono: New Orleans tinha a doçura de um vinho putrefato, quando as uvas estão entrando em decomposição. Adorei. A “podridão nobre” como chama os apreciadores de vinho. Havia umas cores escuras, roxo e púrpuro. Chovia muito quando chegamos. O Danny tinha um castelo barroco em New Orleans, uma bonita casa com uma escadaria admirável. Era um lugar mágico. Fiquei com os Neville Brothers. O Aaron cantava como um anjo, mas tinha aspecto de guarda-costas do diabo.
O Danny tinha descoberto um mundo de pessoas tão perdidas na música quanto ele. Havia uma sensação de estonteamento no ar. Foi uma viagem fantástica e passei dias fantásticos com o Adam. Guardarei para sempre essa recordação com muito carinho. ‘Heartland’ surgiu nessa viagem. E a minha história e do Adam. Mississippi and the cotton wool heat/ Mississippi and the cotton wool heat/ Of deserts dry of cool green valleys/ Gold and silver veins, shining cities…. Freeway, like a river cuts through this land. A música esta repleta de pequenos relatos do meu diário dessa viagem.
Em Rattle an Hum há algumas músicas bonitas. ‘All I Want is You’ é provavelmente a melhor. O Jimmy Iovine sempre diz: “É uma música excelente, mas nunca foi um grande disco.” Achava que se tivessemos conseguido pegar o jeito, teria sido o primeiro lugar das paradas. Nunca foi.
Bono: Canto essa música para a Ali. É uma pessoa muito reservada, que não gosta de se dar por conhecida. E ela não quer ser conhecida, o que a torna ainda mais enigmática. Sendo um artista, que tenta sempre estabelecer contato com o público, me sinto fascinado pelas pessoas que não se interessam pela opinião que os outros tenham delas. Ela se interessa pela minha opinião, mas é só isso. A Ali é uma força da natureza. É como uma corrente que só se vê quando se entra na água. Tem imensa força, mas não é algo que se sinta logo. Essas músicas se tiverem algum valor, são geralmente tanto biográficas como autobiográficas. Contêm a pessoa que, às vezes, queremos ser e não tanto aquela que somos. Eu queria ser mais do que ela queria que eu fosse em casa. Ela não precisa que eu seja mais do que aquilo que sou. Eu costumava pensar: “Bolas, gostaria de ser mais assim, gostaria de ser mais assado.” Ela olhava para mim e dizia: “Eu gosto de você como você é. Anime-se.” Ela acreditava naquilo que eu sou na minha essência. É uma coisa incrível.
Edge: O Van Dyke Parks veio ao estúdio, ouviu o que tínhamos feito, foi embora e criou um arranjo lindo e incrivelmente assombroso, que tem a duração de dois minutos e meio. Foi uma forma fabulosa de terminar o álbum. ‘All I Want is You’ é provavelmente o melhor do que tentamos fazer com aquele álbum, uma vez que tem uma base tradicional. Era uma verdadeira música do U2. Olhando para trás acredito que a principal falha de Rattle and Hum era a sua falta de inovação. A culpa era nossa pois estávamos na América, no meio de Hollywood, fazendo um filme com um estúdio conceituado, e não se tratou realmente de experimentar e tentar descobrir um novo ponto de partida na música. Tratava-se mais de nos expressarmos como fãs, absorvendo a atmosfera e permitindo-nos explorar as raízes da forma, o que não era necessariamente a melhor receita para um álbum original.
Bono: Em uma certa época, tive medo da natureza da letra em Rattle and Hum. Acordei com um riff maluco na cabeça. Expliquei para o Edge e ele tocou a versão dele, que naturalmente foi bem melhor. Eu estava lendo o livro de Albert Goldman sobre o Lennon e não tinha gostado. Uma coisa era o Goldman embirrar com Elvis, naquela sua voz trocista da Costa Leste... Mas o livro dele sobre o Elvis era uma descrição de inutilidades, na perspectiva de um intelectual, dizendo ao mundo o que realmente se passava na corte do rei. De certo modo, o livro sobre o Lennon foi um fracasso, pois o Lennon já tinha nos contado tudo sobre si próprio. Não havia surpresas. Ele já havia descrito todos os seus maus hábitos, os seus esgotamentos nervosos, os seus interesses passageiros por idéias excêntricas e a sua incontinência verbal. O livro me pareceu completamente inútil. Pensei: “Ele não pode responder, por isso, vou eu fazê-lo”.
E daí nasceu ‘God Part II’, em homenagem a ‘God’, a bonita canção de Lennon. Gostei de todo aquele aspecto megalômano. O título pretendia ser mordaz e presunçoso. Tal como eu disse anteriormente. Essa banda precisa de um editor. Há uma estrofe naquela música que diz: Don't believe in the sixties, the golden age of pop/ You glorify the past when the future dries up (não acredito nos anos 60, a era dourada do pop. Você glorifica o passado quando o futuro seca para cima.). Isso acontece em um álbum em que exploramos as raízes da música. É capaz de ser mais genuíno. A música inteira surgiu em um momento em que eu estava preocupado com o que andávamos fazendo. Aquela música não pertence verdadeiramente a Rattle and Hum. Seria a primeira música de Achtung Baby. Eu tinha ido ao fim da nostalgia, é essa a explicação.
Edge: Estávamos na última hora tentando encontrar harmonia com um pouco mais de contemporaneidade. Faltava uma espécie de perversidade ao álbum. A ambição primordial do disco era ser uma lembrança daquela grande turnê, uma conjugação de novas músicas, músicas ao vivo, um pedaço disso e daquilo. Depois já mesmo no fim, acabamos compreendendo que éramos grandes demais para escapar com aquele tipo de produção excêntrica. Começamos a perceber que iria ser comparado a tudo o que tínhamos produzido, não iria ser tratado como um álbum de recortes. Mas já era tarde demais para alterar a natureza do disco.
Paul: Acredito que alguma coisa tenha dado errado na pós-produção do filme, o tornando muito cerimonioso. A opinião do diretor desapareceu e todas as cenas eram aprovadas pela banda.
Larry: O filme foi feito pelo comitê, o Politburo, que éramos nós. Verdade seja dita, graças ao Phil Joanou, as partes ao vivo ficaram extremamente perfeitas. Mas houve outros momentos que foram mais complicados. Nós fazíamos de tudo para não ficarmos muito expostos. Não deixávamos que nos filmassem nos camarins e coisas do gênero. Não sabíamos o que queríamos. Cometemos muitos erros durante esse período, mas também aprendemos muitas coisas.
Bono: Houve um momento no nosso desenvolvimento em que a arrogância era o próximo passo lógico. A realização do filme é brilhante. Foi filmado por Robert Brinkmann e Jordan Cronenweth. Nunca uma banda de rock’n’roll foi filmada assim. A metragem em preto e branco parece às vezes o “touro enraivecido”. O resto somos nós, muito inseguros, em frete à câmera. A timidez torna feio o rosto mais bonito e torna desconsolada a personalidade mais alegre. Apesar de todo o tempo que o Phil passou com a gente, as luzes ascendiam e nós ficávamos imóveis. É muito difícil ser natural. O que se faz quando uma pessoa nos diz: “Seja você mesmo.” É complicado, sobretudo quando não sabemos quem somos.
Edge: Penso que o Phil fez um excelente trabalho. É acima de tudo, uma espécie de amostra do estado de espírito da banda, revela como éramos cabeças avoadas e levianas, como se estivéssemos perto de estragar tudo, mas depois conseguimos manter tudo unido, embora com dificuldade. Em vez de usarmos o Joshua Tree como trampolim para uma coisa ainda maior, fizemos um filme de estrada e quase nos despistamos.
O álbum sofreu por ter ficado ligado a essa campanha cinematográfica massiva, foi anunciado como se fossem os dez mandamentos vindos do alto. Quando foi lançado, todos sentiram que era uma coletânea confusa, nem tanto ao ar, nem tanto a terra. Penso que tem alguns momentos fantásticos, mas representa, provavelmente, uma falta de discernimento momentâneo. Durante algum tempo, em vez de irmos à caça do sucesso, o sucesso que andava atrás de nós.
Paul: O plano era lançar primeiro o álbum e conseguir que ficasse em primeiro lugar em todo o mundo, coisa que aconteceu. O filme foi lançado pouco tempo depois e o primeiro fim de semana de exibição foi o mais estranho. Teve uma sexta-feira fabulosa e todos pensaram que agora ia ser só faturar. O sábado foi uma grande desilusão, ao contrário do que acontece habitualmente, e no domingo não houve espectadores. Exibimos o filme em imensas salas, umas 1200 ou 1500 salas nos Estados Unidos, o que foi uma ampla divulgação. Todos os apaixonados pelo U2 foram assistir na mesma noite e por isso, no domingo estava tudo acabado. Começamos a nos sentir bastante idiotas, sobretudo eu.
Edge: Penso que a Paramount não perdeu dinheiro, mas aquilo não rendeu o que eles esperavam. Foi uma época estranha, a realidade se arrebentou diante de nossos olhos. Após uma fase de prosperidade. Fomos a algumas estréias e depois voltamos para a casa, tentar apanhar a resto de nossas vidas normais. A Aislinn estava grávida da nossa terceira filha. A Blue Angel nasceu dia 26 de junho de 1989.
Paul: Rattle and Hum é considerado um dos insucessos do U2. Vendemos 12 milhões de cópias. Mas esse insucesso, posso eu com ele muito bem. Recebeu algumas duras críticas. John Pareles, do New York Times, acusou o U2 de terem um estilo bombástico e pretensioso, de tentarem se aproveitar da música americana em vez de aprenderem com ela. Penso que essas críticas atingiram o alvo em cheio.
Adam: Há um limite para a quantidade de público que vai ver um “rockumentário” como aquele, mas estou contente por termos feito. Ficará para a posteridade e captou um pouco daquilo que acontecia na época. Gostei muito do álbum. Achei que as faixas ao vivo estavam fantásticas e adorei o que Jimmy Iovine fez com as faixas gravadas em estúdio. Não concordei muito com as criticas de que fomos alvo.
Larry: A Crítica não era propriamente inesperada. Estávamos a um ponto em que alguma coisa tinha de ceder. Algumas críticas foram bastante severas, mas o mundo do show é assim mesmo. A crítica é algo duro para qualquer pessoa, mas devemos aceitá-la quando temos consciência de que fizemos um trabalho que é uma droga. No entanto, embora o filme possa ter sido um erro, não foi uma droga. Defenderei aquelas músicas em qualquer ocasião. Em qualquer ocasião. Devíamos ter feito o nosso pequeno filme de estrada. Devíamos ter desaparecido durante algum tempo e termos reinventado. Mas, com todo aquele sofrimento de ver o nosso trabalho ser descrito como imponente, arrogante e sem sentido, ficamos com vontade de lançar o The Joshua Tree.
Adam: Em 1989, foram lançados singles de Rattle and Hum, foram feitos vídeos, versões diferentes, muita promoção. Houve também alguns projetos paralelos durante a primavera e o verão. O Bono e o Edge escreveram uma música para o Roy Orbison. Eu toquei com a Maria McKee, a cantora da banda Lone Justice, que tinha se mudado para Dublin e estava fazendo trabalhos fantásticos solo. Gosto muito de me envolver em atividades extracurriculares, desde que haja tempo para ensaiar e resolver as coisas. Não gosto de estar apenas dependente de um trabalho incompleto. Fui ao festival de rock de Glastonbury e acampei lá. Foi muito divertido. Sempre consegui passar por despercebido. Ser o baixista do U2 não dá tanto na vista quanto possam pensar, sobretudo quando se está atrás de um cantor como o Bono. Havia muitos músicos presentes em Glastonbury. Os Waterboys eram a atração principal em uma das noites, os Hothouse Flowers e a Maria McKee também iam apresentar. Só me juntei aos Hothouse Flowers em uma das músicas deles. Foi a primeira e única vez que toquei em Glastonbury. Tentamos fazer umas gravações no STS, mas acho que não deram em nada. Nasceram bebês – o Edge e a Aislinn tiveram a terceira filha, a Blue Angel, e o Bono e a Ali a primeira, a Jordan.
Bono: A Jordan nasceu no dia do meu aniversário, 10 de maio de 1989. Foi um grande presente. Nessa época o U2 estava no STS. A Ali foi me buscar no estúdio para irmos ao hospital. Estava com contrações. E eu disse: “Tem certeza que consegue dirigir?” E ela disse: “Vou ficar menos nervosa se eu for dirigindo.” Ela tinha levado uma garrafinha de whisky e algum material de leitura...para mim! Levei comigo um gravador do estúdio. Nem sei em que eu estava pensando. Achei que podia gravar as pulsações do bebe. Estava muito tenso, tentando não demonstrar, encarregado de controlar o soro da Ali, andando de um lado para o outro tentando ser útil. Gosto de controlar as coisas que são potencialmente perigosas, por isso, me custava muito ficar quieto. O meu instinto natural seria: “Alguém que eu amo muito está sofrendo. Bato em quem?” Não podia bater nos médicos nem nas enfermeiras, pois estavam tentando trazer ao mundo a nossa primeira filha. A Ali me disse para deitar um pouco. Havia outra maca na sala de parto e eu me estendi e comecei a ler. Tinha colocado o gravador encostado na Ali e reparei que a pulsação estava ficando mais fraca e lenta. Levantei e disse a Ali: “É normal que a pulsação enfraqueça?” E ela disse: “Deve ser. O bebe só esta descansando.” E eu disse: “Ali, isso não está lega!” E ela: “Faz o favor de se distrair? Deita lá outra vez. Beba um gole de whisky!” Deitei-me e voltei a ouvir a pulsação ficar novamente fraca. Pulei da maca, saí da sala, chamei uma enfermeira e disse: “Olha, ou eu estou imaginando coisas, ou a pulsação está mesmo baixando. É normal que isso aconteça?”
E ela disse: “Ai meu Deus, a pulsação esta muito fraca!” E chamou o médico. A pequena Jojo estava em apuros. Eu tinha razão. Nasceu muito pequena, com dois quilos e meio. Costumava dormir em cima do meu peito. O médico disse: “É bom bebês dormirem sobre o peito, porque ouvem o coração batendo e julgam que ainda estão dentro da barriga da mãe.” Eu e a Jordan temos uma ligação muito forte. Tudo mudou para mim quando ela nasceu. Tudo. Percebemos porque se combate a guerra, porque é que os homens querem possuir terras, compreende-se porque as mulheres são tão espertas, porque elas têm que ser, pois tem que resolver muito mais coisas do que nós. Tenho a maior admiração pelas mulheres. A minha filha virou a minha vida do avesso.
Paul: Depois de todas as críticas a Rattle and Hum, decidimos que talvez fosse bom fazermos uma turnê sem um álbum, apenas pelo prazer de viajar e de fazer shows, e não irmos nem para a América e nem para a Inglaterra, mas sim percorrer locais aonde não tínhamos tido a oportunidade de ir à turnê The Joshua Tree.
Bono: Não tínhamos levado The Joshua Tree para a Austrália. O nosso público australiano significava muito para nós e não queríamos perder o contato com eles. Planejamos uma turnê que começaria na Austrália, depois faríamos alguns shows na Europa e terminaríamos na véspera do ano novo em Dublin. Acho que fui eu que convenci a banda a fazer isso.
Adam: Escudados pelo Rattle na Hum, colocamos a hipótese de nos apresentar como uma banda maior. Refletimos sobre o U2 pós-Joshua Tree e pensamos no que faríamos da próxima vez. Como iria ser a turnê? Agora que fizemos shows em grandes estádios, recrutamos mais músicos e colocamos mais pessoas no palco? Estávamos tentando expandir, e ver se podíamos ter uma estrutura diferente e tocar um leque mais variado todas as noites.
Paul: Como resultado de Rattle and Hum, havia algumas músicas do U2 com metais. O B.B. King tinha uma sessão de metais.Ele tinha conseguido algum sucesso com ‘When Love Comes To Tow’. Entramos em contato com ele e propomos que fizesse uma turnê de três meses por aquelas terras. Ele faria a abertura dos shows e depois junto com a sua sessão de metais, tocaria algumas músicas com o U2. Era um acordo estranho para o B.B., pois ele estava acostumado a dar nove shows por semana. Às vezes até fazia mais do que um show por dia. Ficou espantado com a idéia de ir em uma turnê onde só iria tocar três ou quatro vezes por semana. Os ensaios começaram em agosto e houve um momento de alguma tensão quando o Adam foi preso.