Páginas 25 a 27 - LARRY
Eu tenho um passado normal. Meu pai era servidor civil, minha mãe era dona de casa. Eu nasci em 31 de outubro de 1961, o filho do meio de um total de 3. Eu tenho uma irmã mais velha, Cecília. E eu tinha uma irmã mais nova, Mary.
Nós morávamos na avenida Rosemount em Artane, no norte de Dublin. Foi meu lar até meus vinte e poucos anos. Nada de especial uma casa normal. Minha mãe, quando era mais jovem era uma excelente pianista de concertos. Estranhamente não era uma casa muito musical, ao contrário das casas de alguns amigos meus que eram cheias de música. Eu comecei a ter aulas de piano quando tinha 8 anos. Eu não era muito bom, não tinha uma mente muito voltada para os estudos, e a idéia de ter que estudar escalas e a teoria da música não eram atraentes para mim. Eu queria tocar o piano e descobrir tudo por conta própria.
Meu pai era um disciplinador, assim como todos os pais eram naquela época. Minha mãe era mais calminha, ela sempre cedia as nossas vontades. Mas com meu pai você não podia aprontar, era um relacionamento difícil. Ele ia trabalhar de manhã, talvez te deixasse na escola no caminho e depois ele voltava pra casa às 6 horas, lia o jornal e assistia televisão. Meu pai era bem acadêmico. Ele tinha uma educação muito boa e ele dava muito valor aos estudos. Acho que ele era um pouco desapontado porque eu não era muito voltado para os estudos e não me interessava por esportes também. Ele era um esportista bem sucedido quando era mais jovem. Ele jogava futebol Galeico em um clube muito conhecido no norte de Dublin.
Ele era uma daquelas crianças que sempre foi muito inteligente e esperta e que a única coisa que tinha era seu cérebro e o usava para se dar bem nos estudos e nos esportes. Eu estudava em uma escola irlandesa onde tudo era ensinado pela língua irlandesa. Eu acho que no subconsciente eu estava me rebelando contra meu pai por não fazer as coisas que ele achava que eu devia.
Eu comecei a tocar bateria quando tinha 9 anos. Eu ia para uma escola de música para aprender a tocar piano, mas eu não podia ser considerado um grande sucesso. Em um dia memorável meu professor disse ‘Larry, pare de bater no meu piano’. Ela sugeriu que eu tentasse outro instrumento e eu fiquei muito feliz com isso. Eu estava saindo da aula de piano com a minha mãe e ouvi alguém tocando bateria. Eu disse ‘Você ouviu isso? Eu quero tocar isso!’ Meus pais tinham gasto uma fortuna em aulas de piano, então eles disseram que se eu quisesse aprender a tocar bateria eu teria que pagar pelas aulas. E foi isso que eu fiz. Eu cortava grama e lavava carros e assim ganhei dinheiro suficiente para pagar o primeiro período, graças a Deus meu pai pagou o segundo e terceiro períodos.
Eu nunca tinha me interessado por bateria antes de eu ouvir esse cara tocando. Era um estilo de tocar meio militar e tinha algo naquele som que me despertou interesse. Então eu entrei na turma de bateria do Joe Bonnie. Ele era um baterista das antigas, fazia parte de uma orquestra, tocava em teatros e coisas desse tipo. Ele devia ter uns 60 anos quando o conheci. O que mais me impressionava era quando ele tirava o PAD (isso seria algo cmo um pedaço de algum material que diminuia os ruídos da bateria) da bateria. Normalmente você não podia tocar a bateria porque fazia muito barulho e o prédio não era a prova de som. Em ocasiões especiais ele tirava o PAD.E por coincidência eram nessas ocasiões que eu estava passando por perto. Eu me lembro do som que ele fazia com a bateria e como fazia você se sentir.
Parecia tão não musical em um nível, mas a forma que o Joe tocava parecia tão habilidoso. Eu nunca tinha visto algo parecido, era muito animador. Então eu comecei as aulas. Eu gostava muito no início, mas depois eu fui enjoando porque eu só podia tocar naquele maldito PAD. Meu pai fez um PAD pra mim, era tipo um pedaço de borracha em cima de um pedaço de madeira e eu praticava com isso em casa. Praticava muito, mas acabei odiando o PAD. E ai eu tive que estudar a teoria da música de novo. Eu odiava, eu não conseguia entender o que isso tinha a ver com bater em algo, não fazia o menor sentido pra mim e tristemente eu desisti de estudar a teoria. Eu me arrependo porque depois me fez muita falta. Foi um erro, mas foi o mesmo que aconteceu com o piano, eu só queria tocar! Eu queria ir pra trás da bateria e tocar, mas eu não podia. Eu tinha que aprender sobre outras coisas e isso me entediava. Então meu professor morreu. A filha dele começou a dar aulas em seu lugar, mas eu tinha perdido o interesse, parei de ir as aulas e comecei a tocar por conta própria. Eu lembro que meu pai perguntou se eu ainda queria tocar e eu disse ‘Sim, mas eu quero tocar numa banda. Eu queria bater fisicamente na bateria’ Ele me sugeriu a banda Artane Boys, e eu me juntei a eles... por 3 semanas. Eu também não gostava muito daquilo, muita coisa pra aprender sobre como ler a música, muito pouco tempo batendo nos instrumentos, então eu perdi o interesse de novo. Eu pensei que entrando para a banda Artane Boys eles te davam uma bateria, te mostravam como tocar e você ia marchar no parque Croke.
Depois teve um problema com a minha aparência, queriam que eu cortasse meu cabelo. Na época meu cabelo estava na altura dos ombros. Eu cortei alguns centímetros e me disseram pra cortar mais. Isso foi a gota d’água pra mim. Eu saí e não voltei nunca mais. Eu acho que meu interesse na época era tocar numa banda do exercito ou me tornar um baterista de teatro.
O único tipo de musica que tocava na rádio na época era musica irlandesa tradicional e country. Mas minha irmã Cecília trazia alguns discos pra casa. Ela gostava dos Stones, David Bowie, Eagles, David Essex e Bruce Springsteen. Eu comecei a ouvir bateristas, olhando na TV, vendo os diferentes tipos de bateristas. Meus pais me levavam pra vários shows para eu observar vários bateristas diferentes. Os discos de Buddy Rich, Gene Krupa e Sandy Nelson começaram a chegar. O meu preferido era o disco do Nelson ‘let there be drums’ (deixe haver baterias) que meu pai comprou pra mim. Eu também me tornei fã de bandas de rock como T-Rex e The glitter band, que tinha 2 bateristas. Eu imitava os bateristas e tentava tocar junto com os discos. Um amigo da minha irmã estava vendendo uma bateria feita por uma empresa de brinquedos japoneses. Eu economizei e economizei dinheiro e no final meu pai ficou com pena e me ajudou. Então compramos essa pequena bateria. Bateria se tornou meu mundo e tomava cada instante do meu dia. Ficava no meu quarto, um quartinho com uma cama e uma bateria. Eu só podia praticar durante certas horas. Não queríamos deixar os vizinhos irritados.
Meu pai me colocou na Post Office (correio) Workers band. Eles tocavam muita música instrumental com percussão. Era muito mais interessante. E tinham garotas na banda, o que era grande parte do meu interesse, porque eu estava começando a descobrir garotas. Então eu ficava tocando que nem um louco tentando impressionar as garotas e esquecia o que eu tinha que tocar. Eu me divertia muito naquela banda. Entramos em competições ao redor do país e íamos a vários eventos. O uniforme nunca ficava bom em mim porque não era feito pra mim, eu usava o de pessoas que tinham largado a banda e tinham o dobro da minha idade e o dobro do meu tamanho. Tinha muita costura acontecendo no lar dos Mullen. Tinha algo muito legal sobre ter uma bateria presa a você enquanto se marchava pela rua. Pelo menos eu pensava assim.
Eu estava prestes a começar a estudar em Mount Temple. Meu pai queria que eu fosse para outras escolas onde eu teria que ser bom nos esportes e nos estudos. Eu fiz prova para duas escolas, mas eu não estava interessado. Não era nem preguiça, era um mundo diferente pra mim. Era o mundo do meu pai, não o meu. E então minha irmã Mary morreu. Ela tinha 9 anos, foi muito traumático para todos. Eu acho que meu pai desistiu de me forçar a fazer o que eu não queria depois disso. Eu fui a Mount Temple, era perto de casa e tinha acabado de ser aberta para o publico geral. Lá não tinha a mesma ênfase em realizações acadêmicas. Eu não era um gênio, mas eu comecei a tirar notas boas em matérias que eu não era bom até então, como matemática, artes e Inglês. Meu pai tinha parado de me forçar, não adiantava mais. Ironicamente, agora que meus próprios filhos estão no colégio eu entendo porque ele sentia a necessidade de me forçar tanto. Ele não estava errado sobre a importância da escola.
Foi meu pai que sugeriu que eu colocasse um aviso na escola para formar uma banda. A gente não se entendia muito, mas acho que no final das contas ele estava me ajudando. ‘O garoto quer tocar bateria, como posso ajudá-lo a sobreviver, porque ele nunca será um neuro-cirurgião’. Eu tinha começado a ter aulas com um baterista de jazz, mas eu estava ficando enjoado, eu queria tocar numa banda de rock. Então meu pai teve a idéia do aviso, foi idéia dele e não minha.
Então eu coloquei o lendário aviso, dizia algo do tipo ‘baterista procura músicos para formar banda’. Eu pensei apenas que seria divertido, não tinha nenhuma esperança e nem grandes idéias. Um amigo meu do colégio, Peter Martin tinha uma guitarra e um amplificador, mas ele não sabia tocar. Peguei emprestado com ele para o ensaio. Ele conhecia Ivan McCormick, que era da classe abaixo da nossa. Ele tinha uma guitarra e aparentemente ele sabia tocar. Ele apareceu no primeiro ensaio.
Depois que eu coloquei o aviso as pessoas perguntaram se eu conhecia o Paul Hewson e diziam que ele sabia tocar guitarra. Eu não o conhecia, mas parecia que todo mundo sabia com o que ele fazia, quem eram seus amigos então não demorou muito para que eu descobrisse com quem eu teria que lidar. Edge e Dik eram praticamente a mesma pessoa, eles gostavam de inventar coisas e tocavam uma guitarra amarela que eles mesmo fizeram, então demorou um tempo pra descobrir quem iria ficar na banda. Eu já conhecia o Adam, ele usava um casaco comprido de pele de carneiro do Afeganistão, ele usava óculos coloridos e fumava. As pessoas me perguntavam se eu conhecia o maluco que usava o casaco do Afeganistão e disseram que ele tinha um baixo. Não importava se ele sabia tocar, o Adam estava na banda e pronto. Então no sábado, 25 de setembro de 1976 esse estranho grupo de pessoas se juntou na minha cozinha. Foi o inicio de tudo.