1976/1978 – Another TIME, another PLACE

Páginas 36 a 42

Adam: Em Brillingsgate, o trabalho começava às seis da manhã. Eu tinha que chegar as cinco para montar a banca. O trabalho terminava as onze, altura em que ia para Oxford Street ou para o Soho, comprava discos e andava por ali observando as pessoas. Acho que era um pouco prematuro em alguns aspectos, eu tinha uma certa habilidade para me evidenciar. Agora já não tenho a mesma energia. Uma vez metido no meio, também bebia uns copos, experimentava alguma droga ou outra e, por isso, me sentia um menino crescido. Encarava isso como uma oportunidade de adquirir o máximo possível de experiência do mundo, de descobrir uma forma de ter uma carreira e chegar a algum lugar. Comprava os discos em Londres e depois trazia para casa. Nesse verão comprei ‘Horses’, da Patti Smith, ‘Marquee Moon’, do Television, o primeiro álbum do Clash, o Stranglers, assim como um disco do Ted Nugent e um álbum de heavy metal de um grupo chamado Lonestar, que não teve grande êxito. Quando voltei, percebi que o resto da turma tinha ouvido coisas como Richard Hell e vi que todos gostavam do mesmo tipo de música.

Edge: O Adam voltou de Londres com uns discos muito interessantes...e um horrível de heavy metal. Estávamos todos falidos, por isso, aquela era a recompensa, acho eu, por ter passado o verão no mercado de peixe. Foi fantástico. Gostei muito do ‘Horses’ e algumas semanas depois fui comprar uma cópia em vinil para mim. Era uma música completamente inovadora e diferente de tudo o que se ouvia na época, juntamente com Pistols, Clash e Stranglers. A música da Patti Smith tinha essa característica de confrontação. A grande diferença é que era poesia. O Punk tinha a raiva toda, mas não tinha poesia. O meu amigo Stephen Balcombe não era grande apreciador de música, mas eu estava tão contente com aquele álbum que queria que todos ouvissem. Ele veio a minha casa, coloquei o disco para tocar e ouvimos o primeiro minuto e meio de ‘Gloria’: Jesus died for someboby’s sins but not mine...(Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não pelos meus). O Stephen olhou para mim e disse: “Isso me dá nojo!” Acho que era muito pesado e conflituoso ter aquela criatura esquisita, sexualmente ambivalente, vomitando palavras que desafiavam toda a sua fé. Eu achei fantástico. Gostei da simplicidade da produção e achei o som das guitarras fabuloso. O Tom Verlaine tocava em uma das músicas e se tornou uma grande influencia para mim no grupo Televison. Tínhamos ouvido Richard Hell and The Voidois (anterior companheiro de pugilismo de Verlaine). Como tal, conhecíamos um pouco o panorama nova-iorquino. A beleza sombria de Patti Smith era cativante e inspiradora.

Adam: Enquanto estive fora poupei algum dinheiro. Comprei uma coluna de 15 polegadas para ligar ao amplificador e uma estante de 4x12 para músicas do Edge. Assim, ele tinha alguma coisa para ir tocando. Aos poucos, íamos adquirindo novos equipamentos.

Bono: Fui para UCD (University College Dublin) estudar inglês e história, para fazer uma licenciatura em artes. Mas, afinal, me matriculei em vão, porque levei pau em irlandês e quem levava pau nessa disciplina levava pau em tudo. Era assim naquele tempo. Não devia ter ido para lá. Voltei, então, a Mount Temple para repetir o ano, o que era legal para mim, pois a banda estava lá. Tinha trabalhado em uma sapataria da cidade chamada Justin Lord’s. Trabalhei lá com o Guggi durante o verão e, assim, conseguimos juntar algum dinheiro. Gostávamos de punk rock e tínhamos casacos como o do Iggy Pop na capa do The Idiot, com as mangas muito curtas e tínhamos uns sapatos afunilados muito loucos e psicodélicos. Cortamos o cabelo. Um dia fui para a escola com um alfinete de pressão espetado na bochecha, para impactar todos, o que naturalmente aconteceu - acho que houve um enorme reboliço. A Ali acabou comigo e eu larguei do alfinete de pressão por amor.

Edge: Comecei a usar um casaco da marinha que era do meu pai, da época que ele andava na tropa. Me caiu muito bem. Era preciso improvisar para ter um ar punk, e eu não tinha muito dinheiro para gastar com roupas da moda. Por volta dessa época arranjamos um novo nome para a banda que refletia a nossa mudança para essa nova música enérgica.

Adam: Era mais do que evidente que “Feedback” não ia fazer parte do movimento punk e que ‘Hype’ ia. O fato de ter sido o nome da primeira banda do Bowie também deve ter ajudado. Não sei quem teve a idéia.

Bono: Culpado, meritíssimo.

Larry: Lembro que me perguntaram: “Por que vocês se chamam Hype? É isso que são ou realmente sabem tocar?” Feedback fazia mais sentido, uma vez que era algo que tínhamos de sobra.

Edge: Aprendemos algumas músicas dos Ramones e foram esses os primeiros números punk que tocamos. Acho que ‘Glad To See You Go’ foi o primeiro.

Adam: O Punk tinha músicas simples, tocadas muito depressa. As pessoas chamavam de rhythm and blues acelerados o que, em alguns casos, era verdade. Havia o Radiators From Space, uma banda punk irlandesa, o Boomtown Rats, e, de repente, o punk se aproximava de casa. Havia uma certa esperança de podermos tocar ao vivo e conseguir alguns contratos de gravação. Começávamos adicionando algum material punk, uns números do Ramones, alguns do Sex Pistol e, possivelmente, algum do Wire e do Stranglers.

Larry: Bono era um grande fã do The Stranglers e ele queria ensaiar 'Go Buddy Go'. Estava tudo Ok, mas eu ainda estava incerto sobre alguns materiais punks.

Bono: Houve um momento fantástico, quando eu estava com o alfinete de pressão e os sapatos afunilados. O Larry disse: “Nós não somos uma banda punk, né?” Era uma frase que ele repetia constantemente “Nós não somos uma banda punk, né?” “Não Larry, não somos.” “Estamos ouvindo o Stranglers, certo? Eles são punk, não são? Estamos tocando uma música deles. E eu não quero pertencer a uma banda punk!” “PRONTO, NÃO SOMOS UMA BANDA PUNK. ISTO NÃO É UMA BANDA PUNK;” Acho que o que realmente estava acontecendo, era que o pai andava infernizando seu juízo em casa, pois tinha gasto uma grande quantia de dinheiro em lições de Jazz. Já custava muito ao pai dele aceitar que o Larry tocava em uma banda que não era de Jazz, mas a idéia de que éramos punk rock o fez perder a cabeça. Por isso, acho que obrigou ao Larry jurar que não estava em uma banda punk rock.

Larry: Depois de me juntar a banda, comecei a pensar de forma diferente em relação à música. Comecei a pegar alguns discos da minha irmã, Steely Dan, Bruce Springsteen. Gostava muito de David Bowie. Até que surgiu a onda punk. Eu ainda era muito novo para entender. Não percebia qual era o alvo da revolta da música punk. A imagem do Sex Pistols cuspindo para os fãs e os fãs os cuspirem também era nojenta. Contudo, musicalmente, Never Mind The Bollocks é um dos melhores álbuns. Mas eu ainda nem sequer tinha 17 anos. Usava cabelo comprido e calças jeans. Não estava preparado para rebelião. Ainda não estava nessa fase. Lembro de ter conhecido um amigo do Bono, o Gavin Friday, indo para um show do Boomtown Rats. Ele era o verdadeiro punk. Trazia uma jaqueta de couro, calças afuniladas, aqueles sapatos com solas grossas, um corte de cabelo muito curto e ar carrancudo.

Bono: Eu e o Guggi conhecemos o Gavin quando tínhamos uns 13 anos. Vivíamos todos na Cedarwood Road. Acho que ele tinha ido a uma festa sem ter sido convidado, entrou na festa e levou um amigo, e nós os acompanhamos para tentar roubar qualquer coisa lá de casa. Houve algum reboliço, coisas de adolescentes. Mas ficamos amigos. Ele era bem legal. Chamava Fionan Hanvery e era meio hippy. Costuma ouvir os T.Rex, era parecido com o Marc Bolan e passava a vida levando porradas dos Skinheads e dos Bootboys. Porque usava cabelo comprido. Costumavam o chamar de Handbag (bolsa de mão) Hanvey e mais tarde, por vingança, ele costumava andar com uma bolsa enorme. O Gavin adotou por completo o punk rock. Acho que ainda era mais ligado a música do que eu. Andava sempre com um ar desafiador. Tinha umas botas militares enormes, e cortou o cabelo como o autor do filme ‘Eraserhead’, um cabelo grande e levantado, que lhe dava um ar de doido. Algumas pessoas consideravam aquilo tão ofensivo, que, mal o viam, tinham vontade de matá-lo. Só que, quanto mais vontade mostravam ter de querer matá-lo, mais escandalosamente ele se vestia

Edge: O Bono tinha outra carta escondida, aquilo do Village com o Gavin e o Guggi, um mundo diferente de relações. Lembro dele falando muito de um cara chamado Derek Rowan, um dos seus melhores amigos. Pela forma como o Bono descrevia o Guggi, um tipo durão, mas divertido e brilhante, imaginei que fosse uma pessoa mais entroncada. Por isso, fiquei bastante surpreso com aquele cara de aspecto delicado parecido com o Iggy Pop, de cabelo loiro, mas nos relacionamos rapidamente, pois ele tinha um bom humor. Eu gostava de quase todos que o Bono levava aos ensaios. Achava o Gavin um cara muito bacana e achava que ele contribuía muito com seus conhecimentos musicais, boas idéias e com uma coleção de discos melhor do que a minha. Achei que podíamos trabalhar com ele se ele alinhasse.

Bono: Talvez tenha sido eu a ter a idéia do nome ‘Lypton Village’ mas não sei onde fui buscar isso. Nós inventávamos nomes, locais míticos, até a nossa própria linguagem. Não gostávamos do mundo em que vivíamos, por isso, começamos a reinventá-lo e tenho a certeza de que foi muito arrogante e exclusivo. Costumávamos ter ataques artísticos e, então, íamos para a Grafton Street, enfiávamos em um ônibus com nossas escadas, ferramentas, serras e um cacho de bananas. Subíamos a escada, dávamos pequenos espetáculos, tentando atrair a multidão e, depois, desatávamos correndo. Não havia muita arte no que fazíamos, era apenas a idéia de usar o humor como uma arma. Era tudo muito ao estilo Monty Python. Nunca perdíamos o Monty Python. A atribuição de nomes fazia parte do processo. Havia vários nomes diferentes e muitos personagens: Strongman, Pod, Day-Vid. O meu primeiro nome foi Steinhegvanhuysenolegbangbangbang. Imaginei isso escrito na capa de um álbum. Depois encurtei para Hausman e depois para Bono Vox.

Larry: Em um fim de semana, estávamos andando na O’Connell Street e passamos por uma loja de aparelhos auditivos. O Bono aponta para lá e diz: “Sou eu!”. Dizia Bono Vox.

Bono: A idéia era que se não gostamos da vida que nos foi dada, talvez também não gostemos do nome que nos deram. É, provavelmente, a melhor forma de rebeldia contra o nosso pai, não queremos o nome dele. Mas também não nos era permitido escolher o nosso nome, fazia parte das regras. O Edge por pouco não passou a chamar Inchicore, que é um local nos arredores de Dublin. Não sei porque razão. Não sei se teria pegado “E na guitarra Inchicore”. Também não tinha certeza quanto ao nome Bono Vox, era muito longo. Quer dizer, já o uso desde os meus 15 anos. A idéia de usar como nome artístico era interessante, porque Bono era um sobrenome familiar. Só meus amigos mais chegados é que me chamavam de Bono, o meu nome era Paul Hewson. Até, que, um dia, perguntei aos membros da banda se não se importavam de começar a me chamar de Bono. Aceitaram, mas levaram algum tempo para acostumar.

Adam: Eu gostava muito dos Village. No que diz respeito a minha própria revolta, de tentar fugir de minhas raízes de classe média e me revoltar contra meus pais, eles eram, naturalmente, as pessoas que me atraiam. Além disso eram também bastante generosos, sobretudo o Gavin e o Guggi. Tinham sempre dinheiro na carteira, cigarros e estavam dispostos a oferecer uma xícara de chá ou outra coisa qualquer. Tornaram-se numa espécie de grupo de apoio. E acho que à medida que o punk começou a se apoderar dos Village e as pessoas começaram a usar roupas cada vez mais estranhas, era tudo apenas uma forma de expressão. Não tinha nada da violência comum no punk expressado no interior das cidades. Naquele tempo não se bebia muito, por isso, não haviam aquelas loucuras cometidas pelo consumo de álcool. Era tudo muito moderado.

Bono: O Adam tinha um forte sentido do surreal. Costumava sentar ao meu lado nas aulas de Alemão. Chegava na aula, sentava, pegava a garrafa de café e bebia. Ninguém bebia café. Depois pegava um romance e começava a ler. Mas sempre com modos impecáveis. Se alguém perguntasse o que estava fazendo, ele respondia: “Peço imensas desculpas, mas estou muito interessado nesse livro e não me parece que vá falar alemão.” Ele era um surrealista convicto e o Edge e o Dick costumavam mandar o barracão do jardim pelos ares, eram uns inadaptados e era isso que esses dois grupos de pessoas tinham em comum.

Larry: Eles eram estranhos e chegavam a ser intimidadores, mas nunca se meteram comigo.

Edge: Demos alguns concertos em Sutton, em outubro de 1977. Um deles no Marine Hotel. O nosso palco era uma série de mesas encostadas umas as outras. Tocamos coisas básicas, não havia mistura e a música era todo o barulho que conseguíssemos produzir. Tocamos muito alto. Foi o início da nossa fase punk e por isso tínhamos uma sonoridade muito mais intensa do que no início.

Larry: Tocamos algumas versões do Stranglers e alguns originais. O público era composto por pessoal amigo. Estava um ambiente muito quente, com todos suando. Os nossos amigos nos apoiaram muito, sempre aplaudindo e pulando.

Bono: Cortei meu dedo. Deixei cair o plectro, mas continuei tocando e o sangue continuava escorrendo. A Telecaster branca, a guitarra do Peter Martin, estava toda manchada de sangue, e na minha cabeça eu estava tentando que ela atravessasse a televisão de alguém. Eu ouvia as pessoas gritando: “Há sangue ali!” Era estimulante.

Edge: O Bono pode ter tocado guitarra, mas não sei se estava ligada. O Dick estava tocando conosco, por isso, não havia necessidade de três guitarras. O Bono tinha alguma guitarra dele naquela época? Acho que não.

Bono: Os membros da banda me disseram: “Você tem mais jeito para começar uma revolta do que para ser músico.” Não sei se fiquei magoado ou não, mas eles levaram a melhor. Lembro de ter pensado que se ia ser vocalista tinha que desenvolver uma personalidade pública. Estava compondo algumas músicas e uma delas chamava: ‘The Fool’. Tínhamos estudado teatro na escola e havia uma idéia Shakespeariana na minha cabeça. Queria criar uma personalidade que fosse o oposto de Ziggy Stardust, que não fosse super legal, que fosse talvez muito pouco legal e infantil e se safasse sempre ao dizer o que lhe apetecia. A letra mudava sempre que eu a cantava, mas quando tive de escrever para fazer um esboço, cheguei à conclusão de que era uma porcaria. ‘Alive in an ocean, a world of glad eyes, insane!’ isso era um verso. ‘They call me the fool. I’m gonna break all the rule.’ Meu Deus!

Adam: Suponho que se o movimento Punk não tivesse surgido, teríamos de nos ter esforçado mais fazendo versões de outros grupos. Mas surgiu e nós fomos capazes de captar a verdadeira essência das músicas de três acordes e fazer alguma coisa com elas. Depois, começamos rapidamente a compor as nossas próprias músicas. Não eram músicas fantásticas, mas eram certamente enérgicas e experimentais.

Edge: Comecei a interessar-me mais em compor as nossas próprias músicas. O Bono já tinha duas e, então, decidi compor uma coisa chamada ‘Life on a Distant Planet’. Acho que o processo passou por descobrir uma ligação entre melodia e guitarra na televisão irlandesa, nunca conseguiu passar além da inspiração inicial de ser uma melodia que ganhasse asas. Eram apenas duas ou três idéias que se juntaram. Ainda no outro dia estive pensando nisso. Devia acabar aquelas coisas. Aquela era a minha primeira melodia com a banda. Embora já tivesse composto algum material com o meu irmão, uns anos antes, uma espécie de fábulas cômicas. Brincamos com o gravador de cassetes. Foi inspirador ver o Bono compondo algumas músicas e, depois, descobrir que eu era capaz de fazer o mesmo.

Larry: Eu sei que estávamos tentando compor músicas, mas achávamos complicado terminar grande parte das idéias. Eu e o Adam fazíamos muitas experiências na guitarra, íamos tocando. Após dias, ou até mesmo semanas, de experiências, lá surgia um verso ou um refrão, e depois, talvez algumas letras, era tudo muito calmo... Entretanto, surgia uma idéia vinda do nada e as coisas começavam a ganhar sentido. O processo ainda consegue ser o mesmo, 30 anos depois.

Adam: Naquela altura, ensaiávamos às quartas-feiras à tarde, aos sábados e aos domingos, apenas para tentar chegar ao fim de uma música. Às vezes, ensaiávamos na casa do Edge, porque os pais dele eram muito tolerantes. Podíamos passar lá o dia e beber café à vontade. Eu e o Edge reuníamo-nos lá muitas vezes e, de vez em quando, o Larry também aparecia. Ele tinha sempre que negociar com os pais, pois, às vezes, não podia sair de casa e, além disso, precisava sempre de um carro para transportar a bateria. O Bono só aparecia dependendo de arranjar ou não transporte, se pudesse vir de boleia na moto ou no carro de alguém. Foi daí que surgiu ‘Street Missions’, que se tornou a nossa música de referência. Eu e o Edge compusemos os versos básicos e depois o Bono, numa das suas saídas, compôs o refrão e deu a ideia para a letra.

Oh no man, I just got here
You got me thinking
I’m about to leave
Someday, maybe tomorrow
New direction, hello oh no no no

I walk tall, I walk in a wild wind
I love to stare
I love to watch myself grow
Someday, maybe tomorrow
New direction, hello

Oh no no no no no no no
Street missions...

 

Edge: Fantástico! Não significa rigorosamente nada! Nem sei se o Bono estava mesmo escrevendo sobre alguma coisa em concreto. Acho que se limitava a improvisar melodias vocais a partir dos nossos riffs. Ele ouvia os acordes, que eram meros sons, transformava-os em palavras e depois, eventualmente, podia ser que ganhassem algum significado. É como falar em línguas, talvez não divinamente inspirado, mas a partir da alma.

Bono: O mais interessante de ‘Street Missions’ era o final, um fabuloso solo de guitarra num registro temporal completamente diferente. Todas as pessoas diziam que havia regras no Punk, tais como não haver solos de guitarra. Mas nós dissemos: “Nós tocamos solos de guitarra se quisermos.” Nunca iríamos ser uma banda punk, pois estávamos interessados em outras coisas como, por exemplo, no lirismo da música do Edge.

Adam: A primeira metade era bastante punk e enérgica. Depois, como não sabíamos como acabar, decidimos acrescentar um solo de guitarra. Não fazia muito sentido, mas, de certa forma, resultava nas atuações ao vivo. Proporcionava ao Bono um pequeno intervalo instrumental, antes de ter de cantar a parte final.

Bono: Já naquele tempo, o Edge tinha um quê de especial. Quando começava a tocar, as pessoas olhavam para ele. Ele era extraordinário e ficava sempre muito quieto. Não se mexia. Quando tocava acordes, andava de um lado para o outro, mas na parte do solo costumava ficar tão quieto que tudo à sua volta se aquietava. Era como se tudo parasse, até o próprio tempo. Ele era um contador de histórias através dos solos de guitarra. Eram pequenas viagens.

Edge: Muitas das nossas músicas tinham aquelas variantes estranhas, ‘Turn left ar Greenland!’ que, por vezes, não funcionavam, diga-se de passagem. Depois, ocasionalmente, dizíamos “Uou!” Poucas bandas já fizeram o mesmo, deixar que a pura imaginação as conduza para outro lado. Julgo que isso advém da nossa forma de escrita, durante os ensaios, com todos tocando a todo gás. Nessas alturas, estávamos mais abertos a alterações brutais de humor e de rumo numa música, e isso é possível quando estão todos presentes ao mesmo tempo. Todos atingem esse alvo completamente diferente em conjunto e faz-se um realinhamento instantâneo dos instrumentos. É muito difícil escrever esse tipo de coisas, pois nunca conseguíamos o mesmo se estivéssemos sozinhos. Creio que a força da banda se faz notar na sua habilidade de executar esses movimentos radicais.

Adam: Para acompanhar a ética punk de falta de conhecimento musical, as nossas primeiras composições musicais eram caracterizadas por uma falta de virtuosismo. Por isso, tentávamos sempre adicionar um momento inesperado, algum tipo de alteração que, de certa forma, se sobrepusesse ao fato de não sabermos fazer as coisas corretamente. Acho que andávamos a procura de dramatização no que fazíamos. E, quando não se é um virtuoso, só se consegue criar impacto com cortes súbitos – manter o ritmo base da bateria e fazer uma sequência de pratos ou de timbalões, tocar alguma coisa muito rápido ou com falta de harmonia ou outra coisa qualquer. Costumávamos definir esses pedaços e juntá-los uns aos outros. Tínhamos imenso orgulho na ‘Street Mission’. Costumávamos começar e acabar os nossos espetáculos com ela. Era o nosso ‘Freebird’.

Larry: Demos um concerto durante um furo numa festa disco, no porão do antigo edifício da escola. Lá, o ambiente era sempre muito abafado e nas paredes escorriam gotas de condensação. Nós estávamos tocando e o Edge resolveu trepar numa parede. Escorregou e caiu estatelado no chão. Eu não sabia se ria ou chorava.

Edge: Num momento de pura adrenalina, tentei subir a parede sem perceber que esse gesto teria funcionado sem problemas mais cedo durante o dia, mas naquele momento era letal. As paredes escorriam suor depois de algumas horas naquele espaço fechado cheio de gente aos pulos. Tentei, então, trepar na parede, mas não consegui sequer segurar-me. O sapato escorregou e “splash”, caí estatelado no meio do palco. Mas continuei a tocar, cheio de dores, sempre fingindo que não tinha doído nada. Tínhamos um espetáculo agendado no Nucleus, um pequeno clube em Raheny, mas tocamos tão mal na discoteca da escola que o DJ, que trabalhava no Nucleus, e que também era da Mount Temple, não nos chamou. Mas insistiu em nos ouvir. Tocamos para ele algumas músicas e, a muito custo, nos deixou atuar. Antes do espetáculo decidimos embebedar-nos, pois sabíamos que era o que se fazia quando se pertencia a uma banda rock. Por isso, além da forma terrível como tocávamos habitualmente, fomos indescritivelmente ruins e o som foi atroz. Ali estávamos nós, naquela cabana de escudeiros minúscula, e nem sequer tínhamos um sistema de som como deve ser. Gravamos o espetáculo e, uns dias depois, tornamos a ouvi-lo, sem querer acreditar no que estávamos ouvindo. O Bono parecia que estava rugindo e só se conseguia ouvir um barulho distorcido que parecia dos Stooges nos seus primórdios. Infelizmente, creio que estávamos tocando uma música dos Eagles. Foi nessa altura que o Bono anunciou ‘Jumping Jack Flash’ e o meu irmão começou a tocar ‘Brown Sugar’, misturando as músicas dos Stones. Foi, sem dúvida, um dos momentos mais fracos. Estávamos todos desafinados. Na gravação, se consegue ouvir o DJ dizendo-nos, no meio do concerto: “Vocês não param? Parem, por favor! As pessoas foram todas embora!” Ao ouvir a gravação do concerto, pensei pela primeira vez: “Meu Deus, não! Isto não vai dar resultado!” Éramos desesperadamente inconscientes. Havia um espetáculo que era um grande momento, mas depois os três seguintes eram uma porcaria.

Bono: O Dick era um guitarrista muito inovador. Tinha centelhas de gênio e o governo pagava para ele frequentar a universidade. Não se limitava a dar-lhe uma bolsa, pagavam-lhe mesmo. Naquela altura, ele tinha uma idéia louca, falava de computadores dizendo que iam tomar conta do mundo e mudar o nosso modo de vida.

*Páginas 36, 38 e 41 - Fotos

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