1982/1983 – Sing a New Song

Páginas 124 a 136
Bono

Finalmente o nosso primeiro vídeo 'Gloria' em uma barcaça nas docas de Dublin. Acabou se tornando um vídeo muito importante.

Paul: Como eu já tinha experiência em filmagens, acredito que a banda ficou um pouco com um pé atrás pensando que eu ia dirigi-los. Mas eles eram meus clientes e não uma oportunidade para eu fazer experiências como diretor. Usamos sempre os melhores produtores que encontrávamos.

Larry: Eu não tinha nenhuma noção sobre vídeos, nenhum de nós tinha. Havia acabado de comprar uma bota vermelha Doc Martens que tinha custado 15 libras (cerca de 19 euros). Era muito dinheiro naquela época. Havia uma cena em que o diretor, Meiert Avis, queria que eu pulasse em cima de uma poça de água suja. Disse: “Mas assim vou molhar as minhas botas.” E ele disse: “Claro, é isso que nós queremos nessa cena.” E eu disse: “Nem pensar!” Não ia molhar as minhas botas novas.

Bono: Quando iniciamos a turnê pela América, aconteceu uma coisa muito estranha. Em algumas cidades os shows continuavam sendo em clubes. ‘Gloria’ não passava na rádio e as coisas estavam ficando um pouco inseguras. Mas, nas outras cidades, tínhamos shows com mil ou duas mil pessoas assistindo. Tínhamos shows agendados em grandes anfiteatros para podermos satisfazer a procura. Apresentamos no Hollywood Palladium em Los Angeles para mais de quatro mil pessoas. Essas cidades eram palco de estudo de mercado para um novo conceito que era a televisão da música, a MTV. Ainda não havia muitos vídeos na época, mas um deles era ‘Gloria’ e eles estavam sempre passando o vídeo. Tornamos a primeira banda da MTV e eles nos ajudaram a sermos lançados.

Paul: Conhecíamos muito bem as pessoas que tinham criado a MTV. Era um negócio bastante inocente e muito diferente do que é agora. A pessoa fazia um vídeo, o levava lá, mostrava para um dos responsáveis e três horas depois, se tivessem gostado, já estava no ar.

Bono: Em LA, ficamos em um hotel chamado Sunset Marquis. Para nós, vindos do norte de Dublin, parecia um sonho estarmos ali, sentados junto à piscina e vendo as pessoas famosas passando.

Edge: O Paul conheceu uma pessoa no hotel e depois fomos todos convidados para uma festa na casa de um grande produtor de gravadora. Lembro de ter entrado e de reparar que tinha muita gente doida. Para um rapaz de 19 anos, vindo de Dublin, ir naquela festa, foi como ir para Marte. O piano de concerto em plexiglass me deixou deslumbrado, e depois começou a tocar sozinho. A decoração era totalmente anos 70 e a vasta área da sala de estar, era composta por um extenso tapete branco, sofás brancos, com convidados brancos, que certamente teriam estado entretidos com pó branco. Pelo que eu percebia o produtor tinha uma amiga e uma esposa, que mais tarde se apresentou como sendo sua agente, o que me deixou completamente confuso.

A mulher dele se “apaixonou” por mim e se ofereceu para me mostrar os ‘discos de ouro’. Eu era um pouco inexperiente, tenho que admitir, não percebi muito bem o que estava acontecendo e aceitei ir. Ela me levou para o jardim e começou a dizer coisas como: “O Yoji costuma vir arrumar o jardim Zen às quintas-feiras.” E também : “Aquela é a casa do Elton John e a da esquerda é a do Dudley Moore.” Eu estava maravilhado. Não só por ter sido transportado para um filme de Hollywood, mas também porque nenhuma mulher me dava a mão desde que eu tinha cerca de quatro anos. Eu não sabia mesmo se ela estava só sendo simpática ou se tinha medo que eu caísse no lago Koi. Cai finalmente em mim, quando entramos em um estúdio sombrio com discos pendurados nas paredes e ela continuava segurando a minha mão. Apresentei minhas desculpas e sai.

Ela era uma mulher muito bonita, mas eu era como uma presa prestes a ser caçada. Parecia que estava perto de experimentar tudo aquilo que já me tinham dito que acontece às bandas de rock ‘n’roll quando tudo acaba mal. Acabamos indo novamente para dentro da casa. A primeira coisa que vi assim que entrei foi uma mulher se aproximar da Dusty Springfield e dar um tapa na cara dela e ir embora. A dona da casa começou a chorar e falou: “Meu Deus! Meu Deus!” Pelo visto, a mulher era a “outra” da Dusty e tinha terminado tudo, porque a Dusty estava dando em cima do Paul McGuinness. Depois dos ânimos terem se acalmado, a dona da casa disse ao Paul: “Oh, Paul, desculpa, a Dusty fica com um feitio heterossexual quando toma calmantes.”

Bono: A sociedade ocidental era muito conservadora naqueles tempos, mas nós adorávamos. Ficamos em um hotel de rock’n’roll muito famoso na periferia de Detroit. Eu tinha uma calça xadrez e o meu cabelo era uma espécie de texugo e um molusco. Teve uma hora que passou por mim um cara dirigindo e me chamou de boiola. Sem pensar, enfiei minha cabeça dentro do carro e estava a ponto de pegar no pescoço dele, quando eu percebi que ele era um gorila de trezentos quilos, com dois cachorros enormes e uma espingarda no banco de trás. Ela era um monstro de um homem, ele abriu a porta e saiu correndo atrás de mim. Foi aí que um cara da equipe que estava acompanhando a gente, viu o que estava acontecendo e começou a filmar aquilo: Morte de estrela do rock irlandês ao vivo na TV! Aquele cara dizia, ‘Não me importo em arrancar sua cabeça em frente à câmera, filho. Eu não me importo em arrancar sua cabeça com os policiais olhando. Eu não me importo em voltar para a cadeia pelo simples prazer de arrancar sua cabecinha de bicha’. Eu tentei conversar com o cara, e explicar que calças xadrez não necessariamente era uma indicação de homossexualismo, mas sim, puro mau gosto. Veja você, o visual ainda era um problema para nós, porque as pessoas às vezes não conseguiam ouvir nossas idéias musicais, nem ver a inteligência da banda, porque a gente se vestia muito mal. Daí conhecemos um homem que nos ajudaria a mudar isso.

Larry: Em Nova Orleans, nós fizemos um show, enquanto navegávamos no Mississipi, em um barco chamado President. A NME (revista inglesa de música) estava lá junto a um fotógrafo Holandês chamado Anton Corbijn. Ele nos impressionou muito, e não somente pela sua altura imponente. Ele havia feito umas fotos muito legais para o Joy Division e outros, então a gente tinha um leve respeito por ele. Houve uma ligação forte e instantânea entre a gente, e essa relação dura todos esses anos. Ele é um dos melhores fotógrafos que existe.

Bono: Nós ficamos impressionados com ele, porque ele pagou para nós e para a equipe da gravadora uma rodada de bebidas. Anton tornou-se um dos meus melhores amigos e uma pessoa cuja visão teria um forte impacto na banda. Anton identificou o espírito da banda e deu-nos habilidade de assumir riscos nas sessões de fotos. Nós fizemos de tudo para o Anton, nós fomos fotografados nus, nós vestimos vestidos e usamos maquiagem. Mas, de alguma forma, o prazer e diversão que sempre tivemos com o Anton, raramente foram capturados por suas lentes porque ele tem uma visão diferente de tudo. Ele não tenta capturar você como você é, ele está tentando retratar o que você pode vir a ser. As fotos muitas vezes são magníficas, visto que a banda certamente não é. Essa é a dele – ele acha as imagens certas para aquelas músicas. Nós éramos muito sérios, era uma época muito estética. Anton tirou fotos que se parecia com as músicas e não com os músicos.

Edge: De volta à Dublin, nós gravamos ‘A Celebration’. Ela não era ruim, mas também não era boa o bastante para livrar-nos de encrenca. Nós ainda estávamos inseguros em relação a impasses do álbum, gravar sem ter músicas prontas. Naquele momento a gente precisava de um sucesso. ‘A Celebration’ não era um.

Paul: Nós voltamos para a América para abrir para a J. Geils Band. Parecia ser uma boa forma de tocar em lugares do país onde nós não havíamos causado um grande impacto e também uma boa forma de ver como uma banda trabalhava em shows grandes de estádios. Eles costumavam tocar para cinco mil a dez mil pessoas. A Geils Band estava no seu auge, com o sucesso ‘Centerfold’ e foram muito hospitaleiros com a gente. Eles ensinaram para gente nossa conduta em estádios.

Bono: Uma boa banda de blues parece não ser a mais óbvia combinação para uma banda pós-punk de rock. Eu acho que o Paul estava testando a sua teoria de que Irlandeses são “salgados” (have salt) o suficiente para se preservarem no país dos caipiras. E ele tinha um respeito enorme, assim como eu, pelo Peter Wolf, o principal homem da J. Geils Band. Ele era um DJ extraordinário, um talentoso comentarista da música pop, que também era cantor.

Larry: Peter Wolf foi muito gentil conosco. Ele era amigável, muito incentivador, qualquer coisa que a gente precisasse, ele fazia questão que a gente conseguisse, mas os shows em si eram muito árduos. A J. Geils Band tinha um público muito diferente do nosso e nós tivemos que trabalhar duro para conseguir a atenção deles. Bono tinha uma tarefa muito difícil a fazer, apesar de que não demorou muito para que ele achasse uma maneira de ser ouvido.

Bono: Nós fomos avisados pelo promotor que, a última banda que havia aberto o show para eles, levou garrafadas, Tom Petty levou uma garrafa de cerveja na testa, corte profundo, muito sangue, porque a platéia não queria nada de punk que rolava no meio-oeste. Então tivemos uma idéia, acho que foi minha, de dar um jeito de chegar ao coração dos fãs deles. Nós os vimos tocarem, e eu percebi que quando a cortina que cercava o palco levantava, as pessoas naturalmente achavam que a J. Geils Band ia começar a tocar, então elas paravam e começavam a aplaudir. Mas na verdade, a banda de apoio entrava e levava garrafadas. Eu pensei que aquilo era errado. Se a banda de apoio já estivesse lá quando as pessoas estivessem animadas e aplaudindo, havia uma chance de aceitarem os aplausos como sendo seus – então foi o que a gente fez. Nós nos escondemos atrás dos nossos amplificadores. A cortina subiu, as pessoas pararam, começaram a aplaudir, e eu saí de trás do amplificador, com as mãos para cima dizendo ‘Obrigado!’ O público continuou aplaudindo, e nós começamos o nosso show, com cara de experientes e de heróis locais – e nos livramos dessa. Foi um momento ótimo.

Larry: Mesmo não tendo sido fácil, foi uma grande oportunidade para a gente tocar em cidades que teria sido difícil para nós, se tivéssemos que tocar sozinhos. Então, desse ponto de vista, foi um ótimo exercício.

Adam: Houve pouquíssimo apoio da gravadora e no final da turnê na América, nós estávamos sem dinheiro. Acho que a gente só tinha dinheiro pra comprar a passagem de avião para as pessoas poderem voltar para casa. Aquilo foi duro para a gente, perceber que a gente tinha chegado até ali, que já havíamos gravado dois discos, nós havíamos trabalhado muito por isso, e não tínhamos nem como pagar nossa equipe. No final daquela época, havia uma firme resolução de sairmos para o mundo com o próximo disco.

Paul: Na verdade, a gente havia esgotado o dinheiro. Nós terminamos aquela turnê no meu cartão American Express, e quando voltamos para casa, eu não podia pagar a minha conta e eles tiraram o cartão de mim. Esse foi um ponto baixo. Claro, todo mundo em Dublin pensava que eu era algum tipo de inglês rico que tinha um monte de dinheiro para subsidiar as atividades do U2. A verdade era que não havia dinheiro algum e eu nem tinha meu cartão de crédito mais.

Edge: Nós deixamos as coisas fugirem do controle um pouco e era tempo de recuperarmos a idéia original que tínhamos para a banda. Nós estávamos decididos que o próximo álbum seria mais direto ao ponto, consistente e mais certeiro.

Bono: Algumas coisas estavam acontecendo durante a turnê de October. Bobby Sands estavam morrendo, numa greve de fome na Irlanda, e as pessoas estavam gritando o seu nome para nós enquanto estávamos no palco. Havia alguns poucos contingentes de ‘Viva o IRA’, que achavam que éramos irlandeses na América, havia um tipo de IRA provisório acontecendo. Eu estava comovido com a coragem do Bobby Sands, e nós entendíamos como as pessoas estavam encorajadas a defendê-las, mesmo que não achássemos que aquela era a coisa certa a fazer. Mas estava claro que o Movimento Republicano estava se tornando um monstro a fim de derrotar outro monstro. Aqueles foram tempos muito perigosos na Irlanda – o nacionalismo estava ficando feio. Então preferimos ficar contra a ‘tricolor’ (a bandeira Irlandesa), e quando ela era jogada no palco, eu “desmontava” ela. Eu tirava a parte verde, e a parte laranja e só restava a parte branca do meio, e ela se tornava a bandeira branca. Um gesto simples, mas poderoso naquele tempo. Então, quando estávamos nos preparando para o álbum War, nós começamos a pensar em como era ser um irlandês. Nós tínhamos que examinar algumas dessas questões. Você realmente acredita em não-violência? Em que ponto você protegeria a si mesmo? Essas não são questões fáceis de resolver.

Edge: Nós alugamos um local na praia de Howth, ao norte de Dublin. Assim que saímos da turnê, nós começamos a ir até lá e trabalhar em algumas idéias. A banda basicamente estava patrocinando uma casinha para o Bono e para a Ali, que podíamos usar como um lugar para ensaiar. Ninguém se importou, porque eles estavam duros e, assim como todos nós, ou morando na casa dos pais, ou em algum hotelzinho horrível.

Bono: Era uma casa de praia velha, pode ter sido um estábulo algum dia. Tinha três cômodos, a banda ficou com a sala, eu e a Ali com o quarto e todos dividíamos a cozinha. Era um lugar idílico com as ondas batendo nas paredes da casa. Eu lembro que foi um momento muito legal, escrevendo música e simplesmente sendo uma banda.

Adam: O que não deve ter sido para a Ali ter a gente lá? Incrível como ela agüentou.

Bono: Só por interesse. Eu gostaria de salientar que eu e a Ali só nos mudamos para lá quando estávamos legalmente casados. Você sabe, eu sou uma ovelha desgarrada. Eu não teria me casado se eu não tivesse conhecido alguém tão maravilhosa como a Ali. Eu sempre me senti mais eu mesmo com ela do que com ninguém. Eu conheci um casal maravilhoso naquela turnê e eu estava falando com eles sobre o amor da minha vida, e eles estavam dizendo, ‘Você vai se casar?’ Eu disse, ‘Bem, eu nunca pensei sobre isso.’ E eles me disseram, ‘Se você se decidir por esse tipo de coisa, nunca deixe que isso lhe escape.’E eu segui o conselho deles.

O Adam foi o meu padrinho. Por tudo o que aconteceu na sua vida, o Adam sempre teve uma forma de sabedoria. Ele era o cavalheiro perfeito, que acreditava em amor, mas naquele momento ele parecia acreditar em amor por diversas pessoas. Mas eu havia tido conversas com ele sobre isso e ele sempre dizia que se você acha tudo em uma só pessoa, você deve aproveitar isso. Eu também pedi a ele para ser o meu padrinho, porque talvez eu não me sentisse tão próximo dele como eu era com os outros.

Adam: Eu achei que era uma coisa incrivelmente corajosa para se fazer. Não havia muito dinheiro naquela época, e nós estávamos fora constantemente, então eu realmente não sabia como ele ia fazer para conciliar as duas coisas. Mas eu conhecia a Alison por tanto tempo quanto eu conhecia o Bono. É uma união muito proveitosa. Acho que o Bono sem a Ali liberaria sobre o mundo uma energia que teria efeito mais negativo do que ele tem de positivo.

Bono: Nós não tivemos uma despedida de solteiro, o que foi bom de certa forma. Com 22 anos de idade, eu era um tanto sério, não estava realmente interessado em beber e tinha brigado com o Village. Os Virgin Prunes agiam artisticamente como guerrilheiros. Nós estávamos no mesmo festival certa vez na França e alguém no programa escreveu: ‘Se o U2 é Deus, os Virgin Prunes são o demônio.’ Nós realmente nos tornamos uma antítese um do outro e nossa amizade tão íntima começou a demonstrar sinais de tensão. Eu provavelmente voltava da turnê falando sobre a América e o que estava acontecendo conosco e como estávamos nos tornando uma grande banda de rock, o que eles achavam um pouco desagradável. Em uma atitude artística, eles usaram gesso para fazer um pacote do lado de fora do meu carro e embrulharam tudo com papel e ovos. E então, quando eu acordei no meio da noite e descobri que eles estavam jogando ovos na janela do meu quarto, começamos uma briga... eu acho que houve alguma violência envolvida. Tudo ficou um pouco descontrolado por alguns anos, e só voltou a ser como antes quando eu redescobri meu senso de humor.

Adam: Eu não tinha a menor idéia do que um padrinho fazia. Mas eu estava feliz por levá-lo à igreja, basicamente a tempo.

Larry: Mesmo que Bono tivesse deixado os encontros cristãos, ele ainda tinha muitos amigos envolvidos, que foram convidados para o casamento. Houve uma mistura entre um casamento Protestante tradicional e a nova cerimônia batista de Plymouth Brethen, então você podia dizer que tudo foi um pouco fora dos padrões. Nossos pais foram convidados e estavam vendo e ouvindo pela primeira vez algumas coisas que eram debatidas nos encontros cristãos. Eu acho que isso confirmou o que meu pai pensava. Mas foi um dia ótimo, e isso significava que teríamos duas semanas de descanso enquanto o casal feliz estava em lua de mel.

Bono: Foi uma união muito excêntrica. Nos casamos em uma pequena capela em Raheny. Eu cheguei atrasado, e havia tanta gente do lado de fora que eu não conseguia entrar na igreja. Havia um coro cantando e vários apitos de estanho sendo tocados fora de sintonia. Era uma situação para a qual nós não estávamos muito preparados, nem eu nem a Ali, mas nós prosseguimos com isto. Depois fomos para o Sutton House Hotel, onde Van Morrison foi fotografado para a capa da Veedon Fleece, e foi maravilhoso. A banda subiu no palco e queimou todos os fusíveis do prédio de forma que passamos a nossa noite de casamento no escuro, rastejando pelo chão do quarto, procurando um pelo outro. Nós éramos crianças, muito jovens mentalmente e emocionalmente. Nós fomos para a Jamaica na nossa lua de mel, para uma casa chamada Goldeneye, que pertencia a Chris Blackwell. Ali ainda acha graça de como, na nossa lua de mel, eu estava escrevendo um álbum chamado War. Eu estava trabalhando nas letras, Edge estava em casa trabalhando nas melodias.

Edge: Eu estava sozinho no quarto trabalhando com quatro faixas em um toca-fitas gravador. Aquelas duas semanas foram um avanço para mim como um escritor. Eu progredi bastante em ‘New Year’s Day’, trabalhando com uma ótima linha de baixo do Adam, e consegui montar demos grosseiros de ‘Seconds’ e ‘Drowning Man’. O primeiro esboço de ‘Sunday Bloody Sunday’ foi feito durante um dia particularmente depressivo, naquela pequena casa à beira do mar. Eu estava sozinho, nada estava dando certo e eu tinha brigado com a minha namorada porque eu estava trabalhando enquanto todo mundo estava de férias, então talvez eu devesse tirar férias também, ao invés de desperdiçar meu tempo tentando me tornar um compositor, já que, obviamente, eu não era bom nisso. Eu fiz a única coisa na qual podia pensar, que foi transferir todo meu medo, frustração e pena de mim mesmo para um pedaço de música. Eu peguei minha guitarra e deixei tudo isso se manifestar. Era apenas um esboço, um contorno, eu não tinha um título, um refrão ou uma melodia, mas eu tinha um estilo de composição e um tema. Se eu me lembro bem, minha linha de abertura era Don’t talk to me about the rights of IRA, UDA ... Era uma canção completamente antiterrorista.

Bono: Eu tive a idéia de contrastar um acontecimento real conhecido na Irlanda como Domingo Sangrento (Bloody Sunday) – quando uma tropa de pára-quedistas do Exército Britânico atirou contra protestantes inocentes - com o Domingo de Páscoa, o evento central das duas religiões - Católica e Protestante - que estavam em guerra no nosso país. É provocativo, mas eu acho que nós não fomos bem sucedidos. Muitas das nossas músicas eram grandes idéias, mas nós ainda não tínhamos maturidade para desenvolvê-las com toda a sua complexidade, então nós apenas nos insinuávamos para elas. É uma música cuja eloqüência está mais no seu poder harmônico do que na sua força verbal.

Larry: As músicas deixaram de ser vagas e pareciam estar um pouco mais concisas. Edge tinha realmente assumido o papel de diretor musical e Steve Lillywhite entendeu a proposta e parecia mais seguro como produtor, o que não quer dizer que tenha sido fácil. Em ‘Sunday Bloody Sunday’, Edge tinha alguns acordes de guitarra, Bono tinha composto algo, então nós fomos para Windmill. Sempre parecíamos começar as gravações antes de terminar de escrever, então nós ensaiávamos até que a luz vermelha se acendia e podíamos começar a gravar. Não dava certo, então nós voltávamos e ensaiávamos um pouco mais. ‘Ok, estamos prontos agora.’ E aí continuávamos. Eu me lembro de estar fazendo um solo de bateria quando Bono disse, ‘Não, isso não é o que você fez agora a pouco’. Então eu disse, ‘Não, não, é a mesma coisa’. E ele insistiu, ‘Não, não é’, e começou uma briga sobre se a parte da bateria era a mesma que eu tinha feito três vezes antes. Isto me lembrava das famosas fitas Troggs. Bono achava que o som lembrava uma coisa e eu achava que o som parecia uma outra coisa, e é lógico que não havia uma maneira de sabermos por que nós não tínhamos gravado. Mas gastamos horas discutindo sobre isso. Depois disso tudo passou a ser gravado.

Bono: Em uma música do U2, o gancho não é necessariamente a guitarra, nem mesmo a melodia. Deve ser a bateria. E em ‘Sunday Bloody Sunday’, foi definitivamente a bateria do Larry que trouxe a harmonia para a música.

Larry: É a influência da banda marcial. O ritmo da bateria militar. Meu ano na Post Office Workers Band finalmente foi recompensado.

Edge: Eu peguei emprestado um amplificador Fender que nos forneceu alguns sons glaciais e rígidos. Nós queríamos que as músicas fossem mais cruas, queríamos trazê-las de volta à Terra , então foi uma decisão consciente abandonarmos o eco.

Adam: Nós queríamos algo que fosse mais abrasivo, que estivesse mais na cara, mais rua ao invés de estádio. Eu acho que por causa do modo como estávamos nos apresentando no palco, as pessoas começaram a associar a banda aos estádios, àqueles gestos grandiosos. Eu acho que tentamos minimizar isto.

Larry: Steve realmente queria que eu usasse um click track. Eu definitivamente não estava com vontade. Eu tinha tomado a posição ingênua de que qualquer baterista que valesse o seu suor devia ser capaz de tocar no tempo perfeito. Eu tive sorte de encontrar Andy Newmark, um baterista que eu gostava muito, em uma viagem para Londres. Eu contei a ele sobre minha situação e sobre como eu me sentia por estarem pedindo que eu traísse a ‘minha arte’. Ele sorriu largamente e disse que nunca tocava sem um click track. Era isto. Eu voltei para Dublin com a minha recente descoberta. E de repente gravar ficou muito mais fácil.

Edge: Uma manhã, no meu caminho para o ensaio, eu estava parado no ponto de ônibus com a minha guitarra. Um cara apareceu trazendo um porta-violino. Ele provavelmente tinha uns dezenove anos. Ele disse, ‘Você é do U2. Você já pensou em ter violino no seu álbum?’ Três dias depois Steve Wickham estava em Windmill Lane com seu violino. Eu acho que era a primeira sessão de gravação dele, mas a sua presença era absolutamente fantástica porque ele tinha uma energia muito positiva. Ele ficou no estúdio apenas durante a metade de um dia, mas nós gravamos ‘Sunday, Bloody Sunday’ e ‘Drowning Man’.

Bono: ‘Drowning Man’ é uma faixa do Edge e uma parte do baixo do Adam. Ela tem um ritmo meio obscuro, como um 5/8, e eu improvisando à la Van Morrison, gemendo conforme as Escrituras. As letras das músicas ainda era uma luta. Eu realmente não estava gostando de escrever em um caderno. Eu acordava na cama em posição fetal, e Ali dizia: ‘O que está errado?’ Eu respondia para ela, ‘Eu não quero levantar da cama.’ E ela falava, ‘Você não quer escrever, é o que você quer dizer.’ Eu ainda não tinha me apaixonado pela palavra escrita. Eu estava me forçando a escrever, mas não estava fazendo um trabalho muito bom, porque eu meio que me rebelava contra isso. Ali estava literalmente me botando para fora da cama de manhã, colocando a caneta na minha mão.

Era muito solitário compor músicas. Eu sempre encorajava o Edge a escrever, mas ele não estava realmente interessado. Mesmo assim ele compôs uma parte de ‘Seconds’, foi ele quem escreveu a linha It takes a second to say good bye. ‘Seconds’ é particularmente pertinente hoje em dia porque ela apresenta a idéia de que em determinado ponto, alguém, em algum lugar, colocaria as mãos em material nuclear e construiria uma bomba em um apartamento em uma capital do ocidente. Isto foi há vinte anos atrás, mas eu não chamo isso de profecia, eu acho que era óbvio.

Edge: Eu canto o primeiro verso, provavelmente porque eu compus a letra para aquela sessão. Na verdade eu sempre imaginei que o Bono ia cantar. Mas ele disse, ‘Você canta este, eu vou fazer um outro verso.’ Então ele escreveu o segundo verso e cantou.

Bono: Eu amo quando o Edge canta. As pessoas confundem nossas duas vozes.

Adam: ‘New Year’s Day’ começou como uma sessão de checagem de som. Eu basicamente estava tentando tocar ‘Fade To Grey’ do Visage, e tentando encontrar o intervalo correto. Algumas vezes nossos erros são nossos melhores trunfos. Nós gastamos muito tempo tentando conectar o baixo com a parte do piano e depois combinando as mudanças nos acordes com a melodia. Em termos de composição, é como se o som do baixo ainda estivesse procurando uma melodia.

Bono: É apenas uma linha de baixo assassina, e o corte de cabelo do Adam é a prova real disso. Ele estava em Londres e se considerava vagamente favorável ao movimento New Romantic. Então ouça ‘Fade To Grey’, a faixa de Steve Strange, e você vai ter um pequeno vislumbre de ‘New Year’s Day’. Mas era uma parte de baixo muito melhor do que qualquer coisa que estava sendo apresentada na época.

Larry: Quando eu ouço ‘New Year’s Day’ no rádio, não posso deixar de pensar, ‘Que música maravilhosa. O que aconteceu com a parte da bateria?’ É tão tranqüila e linear. Com um pouco mais de tempo gasto nessa música, eu teria conseguido algo mais criativo. Eu me lembro uma vez, eu estava sentado em algum lugar, a música começou a tocar e eu ouvi dois caras (bateristas obviamente), dizendo, ‘Essa bateria é tão chata, Duh-duh-duh-duh.’

Bono: A letra da música circula em torno de imagens. Eu estou pensando em Lech Walesa, o líder da Solidariedade Polonesa. A imagem dele, em pé sobre a neve, um sentimento de que tendo abandonado a banda por Deus, nós queríamos começar de novo. E nós começaríamos mais uma vez, de um modo diferente, repetindo um lema que nós continuaríamos pelo resto das nossas vidas. ‘I will begin again. I will begin again’. A neve como uma imagem de rendição e cobertura e esses pequenos vislumbres de narrativa, na verdade, eram apenas desculpas para o tema que era Lech Walesa sendo preso e sua mulher sendo impedida de vê-lo. Depois, quando nós tínhamos gravado a música, eles anunciaram que a lei marcial seria suspensa na Polônia no Dia de Ano Novo – incrível. Eu fiz cinco ou seis versos para aquela música sem escrever a letra, diferentes faixas foram combinadas com versos distintos e Steve Lilywhite escolheu os que estão na música. Mas eles foram compostos completamente ao microfone. Tudo o que importava era falar oralmente, ‘Abram meus lábios, e minha boca cantará teus louvores daí em diante’. Era onde estávamos naquela época. Nós éramos como os Quacres (membros de uma seita protestante), esperávamos sentados até que um espírito nos movia. Nós éramos um bando de lunáticos – mas não estávamos errados.

Adam: Kid Creole e os Coconuts eram músicos novaiorquinos que estavam na cidade. Nós convidamos um tocador de trompete para trabalhar em uma música chamada ‘Red Light’. Achamos que isso ia dar nova vida ao som da banda.

Bono: As cantoras vieram também. Três Coconuts. Elas eram tão quentes. Todos começaram a transpirar, a temperatura no estúdio ficou alta por todo o tempo. O estúdio foi iluminado de vermelho como fonte de inspiração, e uma Coconut tirou a blusa e cantou vestida com o que parecia ser um sutiã de bailarina. Os garotos da Irlanda quase ficaram sem fôlego.

Edge: No último dia da nossa sessão, trabalhamos por toda a noite, eram seis da manhã, mas ainda sentíamos que faltava uma música. E então, para o nosso horror, a próxima sessão chegou. Era uma banda chamada Minor Detail que estava agendada no estúdio para as oito horas. Eles chegaram cedo só para checar o ambiente e se prepararem para seu início às oito. E nós ficávamos dizendo: ‘Mas nós não terminamos o nosso álbum. Vocês sabem, nós estivemos aqui durante as últimas oito semanas. Esta é a nossa última manhã. Vocês começam às oito? Vocês estão brincando! Podem nos dar mais algum tempo?’ Eles não estavam nos ouvindo. Nós tínhamos duas horas e isso era tudo. Então dissemos: ‘Ok, temos que fazer mais uma música. Como vai ser?’

Havia outra música que nós tínhamos trabalhado e eventualmente abandonado. Ela tinha um baixo muito forte, tinha uns arranjos um pouco pesados com muitas sessões estranhas e trocas de tempo, mas nós falhamos em colocar isso tudo junto em uma música coerente. Alguém disse, “Vamos trabalhar naquela melodia, e ver o que nós podemos fazer com ela.” Decidimos retirar as batidas que não estavam funcionando – literalmente, então o Steve fez rapidamente algumas edições múltiplas e tirou qualquer sessão que parecia não fazer parte da idéia principal. Então no final nós tínhamos um pequeno pedaço de música pouco comum e dissemos, “Ok, o que nós iremos fazer com isso?”, o Bono disse, “Vamos fazer uma passagem do salmo”. Abriu a Bíblia e achou o salmo 40. “É isso. Vamos fazer isso.” E em quatorze minutos nós trabalhamos os últimos elementos da melodia, o Bono cantou e mixamos. E literalmente, após terminar a mixagem, nós saímos pela porta e a próxima banda entrou.

*Página 124 - Foto com o título Sing a New Song

**Páginas 126, 128, 129; 131 a 134 - Fotos

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