1984/1985 – In the NAME of LOVE

Páginas 146 a 155
Adam

Estávamos comprando nossas primeiras casas. Eu comprei uma pequena casa em Rathgar, onde vivi com a minha namorada Scheila Roche, durante uns dois anos.

A Scheila começou a trabalhar na Pronciple e tornou-se o braço direito do Paul. Era uma casa comum, mas era ótimo ter um lugar só meu, onde podia dormir até tarde sem ter os pais resmungando.

Edge: A minha vida era realmente diferente da dos outros. Eu e a Aislinn tínhamos uma casa em Monkstown. Entretanto ela engravidou. Lembro que contei à banda sobre esse importante acontecimento. Não foi fácil, e a novidade agitou um pouco os relacionamentos durante uns tempos. Não fazia partes dos planos e os membros da banda devem ter pensado que o futuro deles estava comprometido. Entretanto ultrapassaram essa fase e a banda seguiu em frente sem qualquer problema, mas criar uma família me obrigou, sem duvida, ter os pés bastante firmes na terra. Durante aqueles dias de ascensão à fama, foi muito bom que um de nós tivesse os pés no chão.

Larry: Eu continuava vivendo na casa dos meus pais. Não queria uma casa, pagar uma hipoteca e ficar em uma situação onde o banco pudesse me tirar tudo. No fundo achava que tudo isso podia não durar para sempre. Além disso, eu não estava em condições de ir morar com a Ann. Achava que por enquanto podia continuar vivendo com meu pai, era feliz assim e, de qualquer maneira, ficava pouco tempo lá. Era só eu e ele, sem muita coisa para dizer um ao outro, cada um seguindo a sua vida. Era, provavelmente, um relacionamento irlandês bastante comum. Decidi que ia esperar, e assim fiz até o meu pai casar novamente. Comprei a minha própria casa no lado norte de Dublin e desde então moro lá. Foi nessa época que fiquei conhecido como Larry Mullen Junior. O meu pai recebeu uma notificação fiscal informando que devia 600 libras (cerca de 870 euros) em um período de três meses por rendimentos obtidos. Foi complicado para ele convencê-los de que ele não era o Larry Mullen em questão. Depois me disse: “Tem que haver uma mudança. Tem que mudar o seu nome para Larry J Mullen ou Laurence J Mullen ou outra coisa qualquer.” E então, decidi acrescentar o Junior, para que o meu pai não continuasse recebendo minhas notificações fiscais.

Bono: Eu e a Ali compramos uma casa no centro balneário de Bray, no sul de Dublin. Mas não é bem uma casa, é aquilo que chamamos Martello Tower, um pequeno forte circular construído para a defesa da costa no inicio do século XIX. As paredes são de granito com dois metros de espessura. O quarto fica no alto da torre, em uma estrutura de vidro semelhante a um farol, a cozinha é no piso térreo. É um local extraordinário para se viver. E a banda até chegou a ensaiar lá, tal como antes naquela casinha à beira-mar. Foi onde criamos algumas músicas: ‘Pride’, ‘Unforgettable Fire’ e a ‘Sort of Homecoming’. Sabíamos que o mundo estava preparado para receber os herdeiros do “The Who”. Só tínhamos que continuar fazendo o que fazíamos e nos tornaríamos, sem dúvida, na maior banda desde o Led Zeppelin. Mas havia alguma coisa que não estava bem. Nós achávamos que a nossa dimensão estava acima de sermos meros seguidores de alguém, tínhamos algo único para oferecer. A inovação que iria sofrer se decidíssemos trilhar o caminho tradicional do rock. Nós procurávamos outra dimensão.

Edge: Tínhamos feito três álbuns com o Steve Lillywhite e tanto ele como nós chegamos à conclusão de que era hora de avançar. Estávamos absolutamente convencidos de que não iríamos repetir a mesma fórmula. Era muito previsível. Por isso, começamos a conversar sobre quem iríamos contratar para trabalhar conosco.

Adan: Procurávamos algo mais verdadeiro, mais artístico. O nome Roxy Music estava sempre vindo à cabeça, no sentido de que esse era o território sônico da música pop européia em contraste com o rock americano. Rhett Davies tinha produzido os Roxy e nós marcamos uma reunião com ele, que acabou não dando em nada. Entretanto, começamos pensar no Brian Eno, que tinha sido tecladista dos Roxy Music e que depois tinha produzido o Bowie e os Talking Heads.

Edge: É evidente que o Bowie era uma grande influência para todos nós, mas eu também tinha ouvido os discos de solo do Eno, a sua música ambiental e outros trabalhos estranhos. ‘Before and After Science’ era um dos preferidos.

Larry: Achei que era uma excelente idéia contratar alguém que nos ajudasse desenvolver de uma forma diferente. Tínhamos feito um bom trabalho com músicas de três acordes, mas precisávamos de alguém que encaminhasse as nossas músicas em outra direção, que acrescentasse novas texturas e explorasse novas formas de utilização no estúdio.

Paul: Steve tinha a teoria de que as bandas deviam mudar de produtor com freqüência, o que realmente não abonava a seu favor. Pediram que eu contratasse o Brian Eno, que era uma pessoa muito reservada. Ele disse que já não era mais produtor, era um artista de vídeo e não estava interessado em produzir discos. Lembro que o Bono ficou muito irritado e disse: “Ponham-no ao telefone. Eu falo com ele.”

Bono: Eu falei com ele ao telefone. Ele me disse: “Desculpe, mas não estou mais interessado em produção. Estou prestes a me aposentar.” E eu disse: “Você não esta percebendo. Nós queremos produzir discos como nunca ninguém fez antes. Não queremos fazer em estúdio. Queremos fazer longe dos lugares onde vivemos como na Martello Tower em Bray.” Ele retorquiu: “Esta brincando com isso. Eu estou tão farto dos estúdios, que ando a procura de uma nova forma de produzir discos.” E eu disse: “Então, produza conosco.” E ele disse: “Não, não posso. Estou prestes a me aposentar. Sou um artista visual e tenho outras ambições para a minha vida.” E eu insisti: “Não pode recusar sem nos conhecer primeiro.”

Paul: O Eno concordou em vir à Dublin, houve uma enorme discussão amigável no almoço. O Brian tinha trazido seu colega engenheiro de som, o Daniel Lanois, com a clara intenção de lhe passar a pasta.

Edge: Mais tarde, o Brian nos disse que já havia decidido que não ia aceitar, e que só tinha vindo à Dublin, porque se sentiu na obrigação. Mas o Danny Lanois estava interessado, por isso, o Brian ia ajudá-lo a organizar as coisas e depois ia embora.

Bono: Descrevemos a nossa idéia. Mostramos ‘Under A Blood Red Sky’ do show de Red Rocks, e os olhos deles ficaram arregalados de espanto. Agora compreendo como deve ter sido assustador para ele ver a imagem de uma banda de rock em ascensão. Mas houve alguma coisa no espírito da banda que lhe despertou interesse.

Edge: Falamos de diversas abordagens de gravação, nomeadamente sobre o ambiente, no sentido de tentar captar não apenas a exibição, mas também a interação sônica das pessoas na sala. Acho que o Brian ficou muito interessado nisso. Também discutimos a possibilidade de arrumar um espaço com uma boa acústica, da qual nos serviria como característica natural da gravação.

Paul: No final do almoço, o Brian e o Danny concordaram em trabalhar juntos no álbum. A namorada do Brian, com quem mais tarde se casou, Anthea Norman Taylor, representava ambos e nessa época determinamos que não deveríamos pagar o dobro por termos dois produtores. Assim, eles trabalhariam em conjunto, representados por ela, e dividiriam o dinheiro conforme entendessem. Naquela época, o Chris Blackwell, que se mantinha sempre silencioso nesses assuntos, entrou em contato conosco e tentou fazer com que mudássemos de idéia.

Edge: O Chris Blackwell nos falou: “Tem certeza que querem trabalhar com o Brian Eno?” Constava que ele tinha ido a Island Records com um dos projetos artísticos. Acho que era uma música chamada ‘Bird List’, na qual o Brian recitava nomes de pássaros: “Águia-pesqueira.... Gaivota... Tordo”. O Chris temia que o Brian pegasse nessa banda, que estava destinada a conquistar o mundo, e a enterrasse sob uma camada de absurdos vanguardistas.

Paul: O Chris se deixou arrebatar pelo entusiasmo da banda e nós decidimos ir em frente e fizemos o álbum com o Brian e o Danny. Eles vieram para Dublin e moraram num barracão no fundo do meu jardim em Monkstown, durante algumas semanas. O Windmill Lane Studios, onde tínhamos gravado os primeiros álbuns, era um lugar complicado para a banda trabalhar, porque, embora houvesse bastante espaço para os instrumentos, as pessoas mal cabiam lá dentro. Entretanto andei procurando um espaço para a banda ensaia, e o melhor que encontrei foi o salão da igreja em Ranelagh. Era bastante caro, e um dia mencionei esse fato a Lord Henry Mountcharles, que me disse: “Esqueçam isso. Eu arranjo um lugar para ensaiarem e não cobrarei nem a metade.” Lord Henry morava no castelo de Slane, onde a banda já havia feito show com os Thin Lizzy e ele tinha ficado amigo do Adam. Colocou o castelo a nossa disposição para os ensaios e também nos fornecia refeições no restaurante do castelo. Ainda nos disponibilizou camas para se quiséssemos passar a noite lá. Havia uma espécie de compromisso; contávamos as pessoas que passavam lá a noite e pagávamos cinco libras (cerca de 7 euros) por cada uma. Os elementos da banda chegaram à conclusão de que era extraordinário trabalhar naquele ambiente, e levaram para lá os equipamentos de gravação para o álbum. O salão de dança gótico do castelo foi originalmente construído como sala de música e revelou-se um excelente local para fazer as gravações. Mandamos vir algum equipamento portátil de Nova York e foi assim que fizemos o álbum

Bono: O som é magnífico. Se Phil Spector ficasse em câmara ardente, seria lá. E nós tínhamos uma idéia bem clara na nossa cabeça: a nossa música será marcante. Nós somos assim. Não somos comuns, não somos infelizes, estamos repletos de alegria e vamos começar onde Phil Spector ficou. Grandes idéias, grandes temas, grande som. Vamos correr riscos e provar até que ponto uma banda rock pode ser polivalente. E temos o Brian Eno como nosso produtor. O Brian chega com aquele ar de um arquiteto dos anos 80, gravata de couro, casaco de couro, careca brilhante, olhar penetrante, e uma coisa que não se via muito, mas que estava lá: humildade. Colocou-se à nossa disposição. Um grande artista e fabuloso estrategista que veio trabalhar com uns desajeitados garotos irlandeses. Ele estava sempre acompanhado pelo seu amigo, Daniel Lanois, que tinha mais música no dedo mindinho do que o Brian no corpo todo. Um verdadeiro irmão do soul, o tipo branco e frágil de todas as bandas rítmicas, um cara que exala música.

A combinação era perfeita. O Larry e o Adam, embora se sentissem inseguros em estúdio, começaram de repente a se entusiasmarem com esse canadense, esse Danny Boy, que conseguiu realçar o que eles tinham de melhor. Eu e o Edge, que éramos mais dados ao intelecto, sentíamos atraídos pelas idéias brilhantes do Brian. Todas as grandes bandas de rock da época da invasão britânica freqüentaram escolas de arte. Nós não, nós tínhamos o Brian. E a sua atitude foi de uma grande generosidade. As seqüências de arpejo que se ouve em ‘Bad’ e mais tarde no ‘Joshua Tree são dele. Ele catalisou a nossa composição musical, permitiu que passássemos das cores primarias do rock para outro mundo onde podíamos, de fato, descrever aquilo que se passava à nossa volta. Foi monumental.

Edge: Acho que fomos generosos com o Brian, uma vez que não o impedimos de dispor daquilo que já tínhamos conseguido até aquela altura. Estávamos com muita vontade de aprender e não tínhamos qualquer vaidade em relação ao nosso som ou a forma como trabalhávamos. Nos entregamos de corpo, alma e coração a essa nova abordagem. Já tínhamos algumas músicas boas que preparamos antecipadamente, por isso encaramos o futuro próximo com confiança. Um dia chegamos ao estúdio e o Brian e o Dan tinham diminuído a velocidade da faixa ‘A Sort of Homecoming’ e a apresentaram como um ponto de partida. O Bono foi para o microfone e começou improvisar a letra e a melodia. ‘A Sort Of Homecoming’ devia ter uma duração normal de quatro minutos e quarenta. Isso a meia velocidade, pois a faixa completa tinha cerca de nove minutos. Foi extraordinário, o Bono fez aparecer, como que por encanto, alguns momentos fantásticos, mas ficou extenso. Por isso, editei a música e a cortei até ter um tamanho razoável para passarmos para a fase seguinte. O Brian a ouviu e disse: “Sabem o que mais? Esta pronta. Não precisa de mais nada. Eu sei que não tem uma letra certa. É uma torrente improvisada do consciente, mas é puro desempenho e devemos aceita-la como um momento que foi captado.” E essa passou sendo ‘Elvis Presley in América’.

Bono: Isso é mais uma obra-prima ou talvez apenas pretensa arte. Ali estava aquele belíssimo retrato harmônico. Uma canção tão arrastada que parecia o som do cérebro de alguém cheio de valium, que não consegue tocar nas coisas que estão mesmo à sua frente. Alguém tão embriagado de analgésicos, alguém muito parecido com o Elvis Presley. Por isso, é uma névoa, um murmúrio, mas como é que alguém se atreve a dar o nome Elvis Presley in América a uma música sem explicação? Concordo com o Dave Marsh, o grande crítico de rock, disse que essa era a melhor canção alguma vez desperdiçada. O álbum ficou muito bom, mas irregular, as letras não eram grande coisa, porque o Brian, Danny e o Edge não estavam muito interessados nas letras. Queriam conservar meu “Bongolês”. E me perguntaram: “Para que escrever letras? Para que se dar a esse trabalho? Isso tem que vir com o sentimento. Imagina que você é japonês, que é italiano, que é galês, que é do ocidente da Irlanda, você ouve a música com o coração, não é com a cabeça.” E eu, feito idiota, acreditei naquilo e não cheguei a terminar as grandes músicas como ‘Bad’. Clássicos como ‘Pride in the name of love’ não passaram de esboços.

Edge: O Brian não estava de modo algum limitado pelo pensamento que prevalecia na música daquele tempo. Os seus pontos de referência eram muito diversificados. Incluíam arte e filosofia contemporâneas, pensamentos e idéias que estavam realmente fora do âmbito do rock’n’roll. Gostávamos disso, porque as discussões eram muito interessantes, mas também tivemos os nossos desentendimentos. Quanto mais convencional fosse a música, menos interessado o Brian ficava. Não mostrava muito interesse em ‘Pride’ ou ‘Unforgetable Fire’, mas o Danny estava lá para substituí-lo, por isso os dois se completavam muito bem. O Brian era de longe, menos exigente do que eu imaginava, mas resmungava muito, sobretudo da comida. A cebola era uma espécie de um tema secundário durante as nossas sessões no castelo. O Brian estava sempre dizendo: “Não quero cebola na minha salada, por favor.”

Acho que o pessoal da cozinha ficou irritado com ele após a 14ª reclamação, porque de um momento para o outro havia cebolas em tudo, até nos cereais do café da manhã. Regra número um quando se faz as gravações num estúdio “residencial”: não irritar o pessoal da cozinha. Se o Brian era um resmungão de primeira ordem, o Danny trouxe uma intensidade ao álbum que talvez tenha até ultrapassado a nossa. Ele queria desesperadamente se envolver em algo grandioso, e reagia de forma explosiva a qualquer interrupção técnica da corrente criadora. Várias partes do Castelo de Slane sentiram a agressividade do bico de suas botas nessas ocasiões. Houve momentos em que tememos que algum equipamento de gravação atravessasse os vidros dos séculos XVI do castelo. Era bom ter alguém tão determinado e empenhado como nós trabalhando conosco. Além disso, era um alívio, pois ele parecia gostar de cebolas. Os estúdios conseguem ser muito técnicos e assépticos, mas com o Danny podíamos ficar descansados quanto aos aspectos técnicos e nos concentrar na captação de alguma coisa grandiosa no desempenho – um momento, um som, uma parte, algum tipo de acontecimento único e especial. Com o Danny era assim.

Larry: Durante as primeiras sessões de gravações me senti bastante frustrado. Achava que não estava tendo tempo suficiente para ensaiar as partes da bateria. A forma do Adam tocar baixo era sempre inovadora, sobretudo devido ao seu ritmo de jazz. Para mim, a pior parte era ter que me concentrar em manter o ritmo em vez de poder experimentar partes novas. Quando começamos a trabalhar com o Brian e o Danny, as coisas mudaram para meu lado. O Danny gostava de trabalhar desde a base, por isso, dedicou-se muito tempo à bateria e trabalhávamos juntos desenvolvendo a minha forma de tocar. Tecnicamente, não sou um perito, por isso, o Danny me encorajou arranjar novas abordagens e deu o tempo que eu precisava. Além disso, fez com que eu estivesse mais envolvido no que o resto do pessoal estava fazendo. Eu gostava muito da forma que ele fazia música. O Brian era impaciente, queria fazer as coisas com pressa e tinha pouco tempo para a procura persistente da música que nos iria colocar nas rádios. Perdia muito tempo inventando texturas e sons de teclados geniais, acrescentando à nossa música e encaminhando as canções em novas direções. Sendo assim, com os membros da banda, o Brian e o Danny passaram dias inspiradores no estúdio. O único problema é que eu achava que estávamos criando música interessante, mas tínhamos dificuldades em encontrar singles que fossem um sucesso.

Adam: Gerou algum pânico porque achávamos que não estávamos preparados. O Steve Lillywhite estava de passagem por Dublin e veio encontrar com a gente. Tocamos algumas coisas para ele, e ele disse: “Desde que tenham orgulho (Pride) não há problema.”

Bono: O orgulho é de fato uma das características humanas menos dignas. É estranho chamar ‘Pride’ (orgulho) uma música. E é um brilhante hino à não violência. Early morning, April four, shot rings out in the Memphis sky é uma distorção de fatos, pois Martin Luther King foi morto no fim da tarde.

Edge: Uma das inspirações para o álbum foi o museu da Paz em Chicago, onde havia uma exposição denominada The Unforgettable Fire (o fogo inesquecível), uma mostra de quadros e desenhos por partes dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki. A pintura era uma forma de terapia destinada a ajudar essas pessoas a classificarem emoções interiorizadas. A imagem dessa purificação, juntamente com a compreensão que dava o horror do holocausto nuclear, não saia da cabeça do Bono. Era apenas um dos fios condutores do disco. Mais tarde tornou-se o titulo, quando tentávamos descobrir qual seria o tema dele.

Bono: O tema do álbum era um namoro com a morte, a cisão nuclear, a matéria-prima de uma central elétrica ou das armas de destruição em massa. O titulo tem uma harmonia muito rica e muito evocativa de uma cidade, nesse caso, de Tóquio. Conhecemos um cara que foi editor no Japão. Chamava-se Tatsui Nagashima. Lembrava dos bombardeios sobre Tóquio e nos falou do calor daquele inferno, de amigos e familiares correndo para fugir das bolas de fogo que engoliam a cidade feita essencialmente de papel e madeira. Ele e sua mulher conseguiram escapar, mas o resto da família dele morreu queimada. Mais tarde trabalhou como intérprete numa base americana. Perguntei: “Como conseguiu fazer isso, quando foram os americanos que mataram a sua família?” E ele respondeu: “Não faz parte da nossa cultura pensar no passado, nós pensamos no futuro.” Eu julgava que o perdão era um conceito judaico-cristão, mas ele sentiu o que disse. Ele tinha levado os Beatles para o Japão. Abraçava tudo o que fosse americano e europeu. Mas vale a pena lembrar que os japoneses são as únicas pessoas da terra que compreenderam verdadeiramente o feitiço E=mc2 e que sabe o que é ver cidades inteiras evaporarem. Vale mesmo à pena louvar Tóquio, renascida das cinzas, como Fênix. Vale à pena lembrar também que no código dos Samurais, o vencido toma as cores do vencedor. Adota-se a filosofia da pessoa que nos rebaixou. E se não foi o Japão que derrotou a América na área do comercio e do mercado livre, não sei quem terá sido. Não sei se há muito sobre esse tema, mas não nos contam nada.

Edge: O Adam estava tocando uns acordes no baixo durante uma pausa. Eu comecei a tocar com ele, sem perceber que o Brian estava ouvindo na sala ao lado. Ele tinha à mão alguns arranjos que havia ensaiado para uma linha vocal do Bono e os aplicou na guitarra. Gravou diretamente na fita e ficou como um instrumento ao vivo. Chamamos de ‘4th of July’ para comemorar o nascimento da minha filha Hollie, a afilhada do Bono, que nasceu durante a fase de criação desse álbum. Assistir ao parto foi uma experiência fabulosa e profunda: ver uma vida nova, sangue do meu sangue, vir ao mundo, mas foi milagroso e assustador ao mesmo tempo. Lembro de rezar para que eu e a Aislinn fossemos bons pais. Foram também tempos estranhos. Sentia-me muito sozinho, não porque os outros quisessem que eu me sentisse assim, mas porque não faziam idéia daquilo que eu estava passando. Em vez de tentar explicar, tentei lidar com meus sentimentos sem incomodar ninguém, porque, de qualquer forma, eles não iriam me compreender. Foi muito difícil.

Adam: O Brian se aborrecia facilmente. Ele é fantástico se está fazendo alguma coisa, mas, se não tem nada para fazer, perde o interesse.

Larry: a impaciência do Brian era muito fácil de notar. Mas, verdade seja dita, podia ser bastante tenebroso ver o U2 trabalhando.

Adam: Quando voltamos ao Windmill, supostamente para fazer a mixagem, gerou muita tensão entre a equipe de produção e a banda, pois na verdade a gente estava em uma fase em que não conseguíamos terminar nada. ‘Bad’ tinha sido trabalhada com o Brian como uma espécie de improviso e ele não nos deixou gravar novamente ou alterar fosse o que fosse, por isso, a improvisação é o que ficou gravado.

Bono: ‘Bad’ é apenas uma enorme promessa de uma música. Um amigo meu, amigo muito íntimo, arruinou sua inteligência e as suas qualidade com a heroína. No final dos anos 70, inicio dos 80, Dublin era a capital da heroína. O Xá do Iran tinha sido deposto e as pessoas retiravam o dinheiro do país sob forma de ouro branco e pérolas, quero dizer com isso, a heroína. Era mais barato do que a marijuana, era mais barato que fumar maconha, e para uma turma de adolescentes inocentes, que só queria fumar um pouco de marijuana, era lhes oferecido algo mais barato, que ia muito além da imaginação deles. Por isso usavam heroína. Usavam uma vez por mês, depois uma vez por semana e depois ficavam escravos dela. Renunciaram a tudo o que era sagrado por essa droga. Tentei descrever isso na música ‘Bad’. Descrever como era sentir aquela ansiedade, aquela exaltação, e depois aquele desalento, aquele sono terrível que a droga provoca e o grito: I'm wide awake, I'm wide awake, I'm not sleeping! Percebo bem o que está se passando. Seria uma canção com um grande potencial... se eu a tivesse terminado. E de certo modo a termino todas as noites ao vivo. Mudo a letra. Os poetas não se importam de rever o seu trabalho. As canções não devem ser escritas em pedras. Se são boas, são organismos vivos e respiram.

Larry: O Bono se encontrava agora na mesma situação em que eu tinha estado. Tinha cada vez menos tempo para se dedicar às letras. Durantes as gravações, todos parecíamos dar o nosso melhor juntos. Dependíamos muito do Bono, durante o tempo todo. Ele tinha que cantar alguma coisa, para terminarmos a música. Quando o Bono aparecia, pegava em uma guitarra e começava a cantar, a banda respondia. Ele dava a forma, abanava os braços no ar, polegares para cima quando a coisa era boa, sobrancelhas franzidas quando estava mais ou menos, e um olhar deprimido quando estava uma droga. Era ele quem dirigia a orquestra. Uma música gravada com o Bono na sala, e uma gravada sem ele, dava resultados bastante diferentes. Quando acabávamos as músicas, ele ficava atrapalhado tentando juntar todas as palavras.

Bono: ‘MLK’ era a última música do álbum, uma canção de embalar. Nas sagradas escrituras falam-se do sangue que clama da terra. E na ‘MLK’ há isso mesmo, o sangue que clama da terra – mas não por vingança, por compreensão.
Nessa época, tive uma conversa com o Bob Dylan. Ele me disse: “Associamos três reis a Memphis. Elvis, o rei claro. O grande B.B. King, e depois temos o Martin Luther King.’ E acrescentou: “Onde fica a Graceland, onde fica o seu monumento?”. A cidade estava querendo demolir o motel fora o lugar que ele tinha sido assassinado. Isso me marcou.

Conheci o Bob Dylan enquanto estávamos gravando ‘The Unforgettable Fire’. Ele deu um show no castelo de Slane em julho de 1984. A revista Hot Press ouviu que o Dylan tinha falado muito bem do U2 e por isso me perguntaram se eu gostaria de entrevistá-lo. Fomos todos para o castelo de Slane, onde fui apresentado ao grande poeta. Foi muito importante para mim. O que eu não esperava é que fosse significar alguma coisa para ele. Por isso, quando ele me perguntou se podia tirar uma foto comigo, fiquei bastante surpreso. Essas eram as características daquele grande homem: a sua humildade e o seu humor.

Eu, Van Morrison e o Dylan sentamos no camarim e ficamos conversando sobre música irlandesa. Ele recitou os onze versos completos do ‘Banks of the Royal Canal’, de Brendan Behan. Foi um momento fantástico. Eu estava fascinado pela companhia dele e do Van. Eles eram os mestres e eu o aluno. Contudo, aluno ou não, eu continuava espantado com a banda do Dylan e eu disse: “Com exceção do Carlos Santana, o restante são todos sobras dos anos 70”, creio que foi essa a frase que falei. Satisfez a curiosidade ao jovem aspirante e de uma forma engraçada, nos tornamos um tipo de amigos que estão sempre tomando conta um do outro, não que o Bob Dylan precisasse de mim para isso. Mas, anos mais tarde, tentei e facilitei sua vida de gravações o apresentando ao Daniel Lanois. Facilitar talvez não fosse o termo que o Bob utilizaria, mas dos dois melhores álbuns que ele fez na década de 90 foram graças ao Daniel. O Bob era meu preferido naquilo que se considera música pop. Ele é o cara quem eu carregaria a mala, para quem chamaria um táxi, cuja contas de bebidas pagaria e cavaria a sepultura. Para mim é o Picasso da música pop. Ele é Dickens, Shakespeare, Thackery...com uma pequena porção de Charlie Chaplin misturada. Aprendi muito em pouco tempo que estive com ele, sinto-me grato por ter tido essa oportunidade. Ele tem sido muito generoso comigo, com a minha educação, algo irregular.

Tudo começou em Boyne Valley, do outro lado do castelo onde tínhamos feito ‘The Unforgettable Fire’. Ele me pediu para cantar ‘Blowin in the wind’ com ele. Partiu do princípio que eu, como grande admirador, conhecia a letra. Mas ele sabia que eu nem sabia as letras do U2 de cor, quanto mais as do Bob Dylan, e tinha a mania de ir completando as músicas à medida que ia cantando, para grande desgosto de todo o público que se pudesse, teriam me escorraçado do palco. Às vezes tenho sorte, naquele dia não tive. Disse: “Desculpa por ter inventado partes da letra de ‘Blowin in the wind’. A sua versão com certeza é melhor.” E ele disse: “Eu passo a vida fazendo isso. Também nunca lembro das letras.”

Edge: O Brian foi embora antes de terminarmos o álbum, mas o Danny ficou para organizar tudo e fazer a mistura.

Larry: Eu esperava que esse álbum mudasse a percepção que as pessoas tinham da banda. Isso era o U2 em desenvolvimento, aberto a novas idéias, acrescentando luz, sombra e experiências à música. Correndo riscos, creio eu.

Edge: Passamos alguns dias viajando pela costa ocidental da Irlanda com o Anton Corbijn e descobrimos locais muito interessantes. Havia um livro que o Steve Averill tinha descoberto, e que achava ser um bom ponto de partida, e tiramos fotos na frente de alguns castelos em ruínas. Era apropriadamente ambíguo e tinha certo misticismo irlandês que nos aguardava. Algo relacionado com a decadência, a história, maus construtores, questões sobre onde tínhamos estado, o fim de uma coisa e o início de outra. Estava tudo lá, na fotografia do castelo. Infelizmente as pessoas partiram do princípio que as ruínas da capa do álbum eram do Castelo de Slane. Ouvi dizer que o Henry perdeu muitas recepções de casamento nesse ano.

Paul: A fotografia do Anton era basicamente um aproveitamento da fotografia de uma outra pessoa (uma fotografia do castelo de Moydrum, no condado de Westmeath, que é a capa do livro In Ruins: The Once Great Houses of Irland de Simon Marsden). O Anton colocou a máquina exatamente no mesmo local e usou a mesma técnica de filtragem solar, a única diferença é que os quatro membros do U2 estão na foto. Aquilo nos custou caro – o Anton prometeu não voltar mais fazer isso. O meu trabalho com o U2 estava começando a mudar, sobretudo porque começamos a ser capazes de renegociar o que começou a ser um fraco acordo de gravação. O nosso contrato com a Island estava terminando, felizmente para eles, e outras empresas importantes começavam a fazerem ofertas melhores para nós. Mas o que a Island nos oferecia, que mais ninguém oferecia, eram os lucros sobre os nossos direitos autorais. Assim, a primeira renegociação se resumiu a eles rasgarem o acordo de publicação e nos devolverem as nossas músicas, prorrogando o contrato de gravação, aumentando os direitos autorais, melhorando globalmente os termos do contrato.

Acho que fizemos muito bem em aceitar aquele acordo. A banda colocou muitos obstáculos, pois uma das outras empresas maiores poderiam ter passado um cheque de um valor bem alto. Mas, naquela época, a banda já sabia a importância de sermos donos das nossas próprias músicas e foi isso que orientou as nossas negociações. Embarcamos em uma turnê pela Austrália antes de ter saído o The Unforgettable Fire. Foi uma espécie de deslumbre do que estava por vir. Foi a primeira vez que fomos a um país como uma grande banda, nos beneficiando de tudo que tínhamos conseguido anteriormente. Éramos muito mais populares do que pensávamos e tivemos que prolongar a turnê. Esgotamos as arenas e demos cinco shows no Sidney Entertainment Centre, nos apresentando para 60.000 pessoas no total. Não se pode apresentar perante 10.000 espectadores o mesmo espetáculo que se apresente em um teatro.

Foi entusiasmante e interessante, não somente para a banda, mas também para toda a equipe de estrada. Naquele tempo, o nosso designer de luz era o Willie Williams e ele começava agora abrir seus horizontes e se envolver mais no design de palco. Creio que é justo dizer que nessa época houve uma alteração em todo o negócio da música ao vivo e as pessoas exigiam padrões mais elevados de iluminação, som e produção. O tradicional ajudante de estrada dos desenhos animados, com uma grande barriga e tendo como principal característica o fato de conseguir levantar pesos pesados, deixou de ter importância. Os elementos da equipe eram cada vez mais inteligentes, profissionais e cada vez menos brutos.

*Páginas 150, 153 e 154 - Fotos

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