1990/1993 – SLIDING down the SURFACE of things

Páginas 248 a 257

Bono: Para esse personagem, MacPhisto, nós viemos com a idéia de um velho diabo inglês, um pop star com um passado primoroso, retornando regularmente à cada estação ao The Strip em Las Vegas e alegrando qualquer um que escutasse suas histórias dos bons e maus dias. Havia uma certa empolgação nele. Gavin Friday me disse, ‘Se você quer fazer um diabo, você tem que ter chifres’. Eu disse, ‘Sim, mas eu não estou usando chifres. Eu vou parecer ridículo’. Ele disse, ‘Você precisa de chifres vermelhos’. E ele os mandou fazer. Eu os coloquei e ficou com um visual muito doido, mas ajudou, porque quando você está fantasiado de diabo a sua fala fica completamente falsificada, e se você falar para alguém que você realmente gosta do que ele está fazendo, você sabe que isso não é um elogio. Nós costumávamos ligar para os escritórios de políticos fascistas, como Jean-Marie Le Pen, e bajulá-los em frente a sessenta ou setenta mil pessoas. Eu liguei para a Alessandra Mussolini, a neta do ditador italiano, que estava começando a se envolver na política e nós tínhamos setenta mil pessoas cantando, ‘Eu apenas liguei para dizer que eu te amo’ na sua secretária eletrônica. Eu liguei para o arcebispo de Canterbury e disse para ele que eu adorava o que ele estava fazendo e que era maravilhoso que a igreja não parecia tomar partido de nada. Isso foi a morte, querido! Durante os nossos shows na Itália, em um momento de performance artística, eu me filmei andando pela praça do Vaticano. Nesse momento o MacPhisto desenvolveu uma maneira de andar mancando, e eu tinha uma bengala e ia enxotando os pássaros, vestido como o diabo, andando pela praça do Vaticano, murmurando ‘Um dia, tudo isso vai ser meu. Ah não, eu esqueci, isso é meu’.

Edge: Esse personagem era um grande artifício para se dizer justamente o oposto do que você quer. Ele ia certo na questão e com um humor real. Cada cidade apresentava uma nova variedade de possibilidades e opções, então havia grandes discussões sobre o que nós deveríamos fazer, com muito planejamento do Bono e do Willie. Uma das idéias foi ligar para o ministro da pesca na Noruega, Jan Henri Olsen, para parabenizá-lo pela pesca de baleias, que foi esquecida pela União Européia, mas legalizada na Noruega. Ele atendeu ao telefonema e convidou o Bono para ir comer um filé de baleia com ele.

Paul: O Zooropa foi lançado em 5 de julho de 1993, enquanto nós estávamos na estrada. Do ponto de vista da Polygram esse foi um presente de Deus porque eles não estavam esperando outro álbum do U2 por pelo menos alguns anos. Se Achtung Baby foi o primeiro da série, era o momento perfeito para dar para os nossos fãs algo mais experimental e exótico, o Zooropa. Esse ainda é um dos meus álbuns preferidos do U2 porque é muito livre.

Larry: O Zooropa é o som do U2 se tornando mais confortável com um novo ambiente de gravação. Após o desgaste do Achtung Baby, estava claro que toda essa parafernália tecnológica estava pronta, isso não é o diabo, isso não é o inimigo, nós podemos funcionar com isso. O Edge ainda estava explorando a cultura dance, hip-hop, mixagens, todo tipo de coisa. Ele estava experimentando e o U2 era a sua cobaia.

Adam: Esse é um álbum estranho e o meu favorito. É um tipo de mania, ele não tem nenhum dos grandes hinos do U2, é muito mais um álbum que cresceu em sessões de estúdio. Eu acho que a faixa de abertura, ‘Zooropa’ ela mesma, é absolutamente hipnotizante.

Bono: Era a nossa chance de criar um mundo ao invés de apenas música, e um mundo lindo. A faixa de abertura era o nosso novo manifesto, Eu não tenho nenhuma bússola, eu não tenho mapas, e eu não tenho nenhuma razão para voltar. O Brian Eno estava na sua célula aqui. O estúdio se tornou um instrumento, um parque de diversões, vários ataques plásticos com os seus teclados DX7, várias levantadas de sobrancelha do Larry e do Adam. A faixa de abertura era o equivalente em áudio do visual de Blade Runner (Caçadores de Vampiros). Se você fechar os seus olhos, você pode ver o neon, o LED gigantesco advertindo sobre todas as maneiras de efemeridade. Eu queria me livrar do peso que eu estava carregando. Eu queria voar. Tinha muita melancolia a nossa volta. E eu não tenho religião, Eu não sei o que é isso. Há uma linha no Novo Testamento que diz que o espírito se move e ninguém sabe de onde ele vem ou para onde ele está indo. É como o vento. Eu sempre senti isso sobre a minha fé. A religião geralmente é inimiga de Deus porque ela nega a espontaneidade e a quase anárquica natureza do espírito. O contrapeso dessa liberdade é ‘Numb’, que é o som de dentro da cabeça de alguém, com uma grande letra e uma grande performance do Edge. É um retrato cruel do que ele estava sentindo naquele momento e o que muitas pessoas estavam sentindo no mundo sobre a mídia. Ele estava bem nesse meio, mas se tornou uma grande metáfora para a mídia a incapacidade dessa geração de sentir qualquer coisa pelas imagens que você vê.

Adam: ‘Numb’ foi uma música não aproveitada no Achtung Baby, chamada ´Down All The Days´. A música realmente não funcionou, mas o instrumental era interessante. O Brian adicionou um teclado fantástico. Então, quando nós estávamos tentando chegar a um consenso sobre a ordem final do Zooropa, nós tínhamos essas gravações, mas não sabíamos o que fazer com elas. O Edge pegou isso e levou para outro estúdio para tentar algumas novas idéias, e algumas horas depois, saiu com essa grande versão. Eu acho que esse vocal é uma obra prima, e a entrega do Edge foi fantástica.

Edge: Foram poucas horas trabalhando e muitas editando. A letra veio muito rapidamente e combinou com muitas das idéias da Zoo TV, a sensação que você está sendo bombardeado por tanta informação que você se acha completamente desligado e incapaz de responder. Eu escrevi tantos versos que tive que cortar fora alguns. A mixagem foi a coisa mais fácil do mundo. Apenas colocou as bases e deixou acontecer. Essa foi a alegria de fazer esse álbum, a sensação de imediatismo. ´Lemon` também surgiu bem tarde e se tornou uma das faixas mais proeminentes do álbum. Isso foi algo em que eu trabalhei com uma bateria e um baixo, bem rítmico, mas que foi difícil para eu encontrar a parte da guitarra até que eu usei um efeito de guitarra pouco comum que funcionou com esse ritmo. O Bono surgiu com o limão. Quando ele está improvisando sobre um pedaço de música, ele fica ainda mais criativo. Normalmente você fica espremendo a sua cabeça pensando, ‘Que substâncias psicodélicas ele usou para sonhar com coisas como essas?’

Bono: Eu tenho poucas lembranças da minha mãe porque o meu pai nunca falava sobre ela depois que ela morreu. Então foi uma experiência muito estranha receber pelos correios, de um parente muito distante, um filme Super 8 da minha mãe ainda nova, com 24 anos, mais jovem do que eu, participando de um jogo em câmera lenta. Essa linda e jovem garota irlandesa, com uma cintura bem fina, curvilínea e com cabelos negros como de uma cigana. O filme era em cores e parecia extraordinário. Era um casamento, onde ela era a dama de honra vestida em um lindo vestido cor de limão. Eu cantei com a minha voz de Fat Lady, mas havia uma aspereza na letra. Havia duas coisas acontecendo, memória e perda, o retrato de uma garota em um vestido limão cintilante, que a deixava sexy e alegre e o fato de um homem se separar das coisas que ele ama. Eu realmente senti pelo Edge naquele momento, porque ele teve que se mudar de casa. A sua primeira esposa, Aislinn, era uma garota muito especial e ele era muito próximo da sua família. ‘Lemon’ é sobre deixar a casa, ou não deixar a casa.

Edge: Algumas músicas surgiram durante sessões, todos nós em uma sala com o Brian. ´Daddy´s Gonna Pay For Your Crashed Car`, ´Dirty Day` e ´The First Time`, que nós gravamos ao vivo. Havia grandes músicas no Zooropa, mas nem todas estão lá, é como se ele ainda mantivesse a sua promessa, você pode ouvir o seu potencial, e eu realmente gosto disso nesse álbum.

Adam: ‘Stay (Faraway, So Close!)’ é uma música que o Bono e o Edge já estavam trabalhando há muito tempo. O Bono costumava dizer que essa música era para o Frank Sinatra, mas nós precisávamos de músicas para o Zooropa, e achamos que deveríamos usá-la. Era difícil de imaginar como nós iríamos fazer isso. Quer dizer, ninguém vai confundir a gente com a banda do Frank Sinatra. Um som um pouco pobre, sem recursos, foi o que nós acabamos escolhendo e o que realmente deu certo.

Edge: Para mim, ‘Stay’ é a principal faixa do álbum. Ela surgiu para gente a prestações. Nós conseguimos o verso quando estávamos em Berlim trabalhando no ´Achtung Baby`. Durante as sessões do Zooropa nós escutamos que o Wim Wenders estava procurando uma música para o seu novo filme, então eu tive que terminar isso para o Wim. Eu estava tocando no piano algumas progressões antigas de acordes da velha escola, tentando captar o espírito do Frank Sinatra. Isso definitivamente não é uma tradição do rock ´n´ roll. Isso ficou de fora de qualquer item particular, como se sempre tivesse existido.

Bono: ´The First Time` é uma música muito especial. Me parece muito certo que bem no meio de todo esse caos e luzes ofuscantes haveria um momento muito simples, poético. É a história do filho pródigo, mas nela o filho pródigo decide que não irá mais retornar. É sobre perder a sua fé. Eu não tinha perdido a minha fé, mas eu era muito simpatizante com as pessoas que tinham a coragem de não acreditar. Eu vi várias pessoas perto de mim terem experiências ruins com a religião, sendo tão maltratados que eles sentiram que não podiam mais ir lá, o que é uma vergonha. ´Dirty Day` é uma música sobre pai e filho. ´It´s a dirty day` (É um dia sujo), era uma expressão que o meu pai costumava usar e tem muito dele nessa música, mas também foi influenciada pelo Charles Bukowski, o grande escritor americano e bebedor. O seu apelido era Hank e eu uso essa frase no final da música, O Hank diz que os dias passam como cavalos sobre as colinas. A música é sobre um sujeito que deixa para trás sua família e que anos depois reencontra o filho abandonado. Não é sobre o meu pai, mas eu uso algumas das atitudes do meu pai nessa música. ‘Eu não conheço você e você não conhece metade disso’. ‘Nenhum sangue é mais grosso do que tinta’. ‘Nada tão simples quanto você pensa’, são todas coisas que o meu pai dizia. ‘Isso não dura o tempo de um beijo’ é outra do meu pai, a forma que ele dispensava alguma coisa que achasse transitória. Como o U2 quando nós começamos. O que faz essa música é a oitava média, quando a voz aumenta: De pai para filho, em uma vida começou o trabalho que nunca está acabado. Eu tive muitas figuras paternas na minha vida. Que lista isso daria! Mas em algum lugar no topo dessa lista tem que estar Johny Cash, para quem nós escrevemos uma música e o persuadimos a vir e cantá-la conosco, para fechar o álbum, ‘The Wanderer’. Eu escrevi essa letra baseado no livro de Eclesiastes do Velho Testamento, o qual em alguma tradução é chamado de O Pregador. É a história de um intelectual com sede por viagens. O pregador quer encontrar o sentido da vida e para isso ele tenta um pouco de tudo. Ele tenta viajar, tem todas as visões, mas não é nada disso. Ele tenta vinho, mulheres e música, mas não é isso. Tudo, ele diz, é orgulho, orgulho de bobagens, se esforçando atrás do vento. Enquanto você lê esse livro, você pensa, ‘Eu mal posso esperar para ouvir o que faz isso!’ E a frase mais extraordinária é: ‘Não há nada melhor para um homem, do que aquilo que ele deveria comer e beber, e daquilo que a sua alma deveria gostar no seu trabalho’. Ame o seu trabalho. É sobre isso. É muito bom amar o que você faz. Eu acho que ainda há muito coisa para se alcançar isso.

A música é o antídoto para o manifesto de incertezas de Zooropa. Mesmo se o álbum começasse com Eu não tenho uma bússola, eu não tenho um mapa – em outras palavras, Eu não sei, mas eu aceito esse estado de incertezas - ´The Wanderer` apresenta uma solução possível. Em linhas gerais sobre o álbum, a chave é aprender a viver com as incertezas, mesmo que seja preciso permitir que a incerteza seja o seu guia. Eu me lembro de tentar ordenar alguns problemas com as frases da música e o Johnny me interrompendo e dizendo, ‘Não, eu gosto quando o ritmo é irregular. Eu quero fazer o inesperado’. Outra lição de um mestre. Mas escutar a voz de um marinheiro ancião cantando sobre sons eletrônicos era um pouco de justaposição e uma das melhores coisas que nós já fizemos.

Edge: As músicas não são clássicas, mas elas são mais experimentais e interessantes do que a maioria dos clássicos do pop. Isso é uma coisa que nós não nos preocupamos mais em fazer. Não levamos para frente um pedaço de música só porque ela é pouco comum. Isso não é o bastante para nós agora. Nós queremos coisas que sejam potentes e algumas dessas músicas não são particularmente potentes. Mas algumas vezes as minhas gravações preferidas não são aquelas que são feitas com grandes batidas. Eu gosto de pessoas mais sutis, coisas esquisitas.

Bono: Na época eu imaginava o Zooropa como um trabalho de gênios. Eu realmente achava que a nossa disciplina pop estava se encaixando na nossa experimentação e esse era o nosso Sergeant Pepper. Eu estava um pouco enganado em relação a isso. A verdade é que a nossa disciplina pop estava nos deixando para baixo. Nós não criamos hits. Nós praticamente não entregamos as músicas. O que seria de Sergeant Pepper sem as músicas pop?

Edge: Eu nunca pensei no Zooropa como algo mais do que um intervalo... mas um bom intervalo. De longo, o nosso mais interessante.

Bono: Na mesma semana que o Zooropa foi lançado, um jovem escritor e cineasta americano chamado Bill Carter, veio nos ver no nosso show em Verona na Itália e perguntou se nós daríamos uma entrevista para a Saravejo Television. Porque naquela época que a Europa estava ascendendo como um mercado único, uma moeda unificada e o que todos nós seríamos capazes de fazer com ela se a Europa se unisse, bem no limite europeu, na nação da Bósnia que tinha surgido da Iugoslávia pós-comunista, havia uma cidade como nenhuma outra, um símbolo da tolerância entre cristãos e mulçumanos, onde três grupos étnicos – croatas, sérvios e bósnios – viviam juntos em paz. E essa grande velha cidade de Saravejo, cujas bibliotecas eram grandes tesouros mundiais, estava agora envolvida em um dos conflitos mais rebeldes, onde a grande tolerância que a cidade simbolizava estava agora sendo ameaçada por um pavoroso cerco das forças servias. Não era uma batalha sobre territórios, era uma tentativa deliberada de aumentar a tensão entre as etnias. E foi um tiro turco, mulheres e crianças no caminho para o supermercado sendo baleadas por franco atiradores apenas para causar terror. Sarajevo se tornou uma ferida no corpo da Europa... mas não uma ofensa ao coração da Europa, porque não iam deixar isso entrar. Era apenas as páginas oito ou nove dos jornais. A resposta política era incerta e mentirosa. Os ingleses não concordavam com os franceses sobre o que fazer. A ONU estava lá, mas a sua função era apenas observar. As coisas iam ficando pior e pior e ninguém estava falando sobre isso. Durante a entrevista com Bill Carter, ele descrevia condições do dia-a-dia. Ele descreveu como em abrigos anti-bombas improvisados, as pessoas escutam U2, tocavam rock e dançavam com a música em um volume ensurdecedor para abafar o som do bombardeio. Jovens assistiam MTV, viam bandas e apresentadores que se pareciam com eles, e se perguntavam por que ninguém estava discutindo o que estava acontecendo com eles, porque jovens estavam sendo assassinados no caminho para escola em uma cidade a apenas alguns quilômetros de distância da fronteira dos clubes e casas de shows da Itália e Alemanha.

Edge: A idéia do Bill era que o U2 fosse à Saravejo e criasse muita publicidade em cima disso e ajudasse a manter a pressão sobre o cerco, porque parecia que a mídia já estava fadigada e as pessoas já estavam ficando cansadas dessa história. Pessoas morriam todos os dias e isso já não era mais notícia.

Bono: Então eu concordei, em um momento bem emocionante, de fazer um show lá. E depois eu concordei com a Saravejo Television, eu tive que explicar para a banda porque que colocar as nossas vidas em risco iria ajudar a população de Saravejo. O Larry se sensibilizou imediatamente: isso parecia um triunfo publicitário. O Adam queria logo conhecer Saravejo. O Edge pensou, ‘O que nós iremos tocar? Nós nem falamos isso para o Paul, porque nós sabemos como será a reação dele’.

Paul: Era uma idéia louca deixar tudo para trás e sair correndo para fazer um show durante o bombardeio. Havia até uma tentativa de se fazer tudo isso sem nem me falar nada. Mas isso teria sido uma grande tolice e perigoso e provavelmente muitas pessoas iriam morrer.

Edge: Nós olhamos na nossa agenda e tentamos fazer Saravejo caber no cronograma. Nós pensamos em conseguir um avião da ONU. Logisticamente, isso teria sido impossível e quando o Paul descobriu tudo, ele disse que isso além de colocar as nossas vidas em risco, arriscaria também a vida de toda a nossa equipe e dos nossos fãs. Mas nós dissemos, ‘Deve ter alguma coisa que nós possamos fazer para manter a atenção sobre essa situação terrível’.

Bono: Nós decidimos colocar a nossa estação de TV para funcionar e oferecer à eles um espaço ao vivo com o qual eles poderiam falar com os nossos fãs.

Paul: O Bill Carter retornou para Saravejo e se comprometeu a conseguir uma pequena unidade de vídeo. A European Broadcast Union tinha um elo via satélite com Saravejo que nós compramos o tempo de uso. E começamos a fazer conexões via satélite ao vivo todas as noites entre os concertos do U2 e Saravejo. A maioria dos shows da Zoo TV tinha um roteiro e era muito ensaiado. As conexões com Saravejo não eram.

Edge: Isso ficava voando por trás das suas calças. Não havia roteiro, nenhuma pista do que ia acontecer ou quem iria aparecer ou o que eles iriam dizer. Algumas noites eu sentia que isso fazia parte do show, mas em várias outras noites eu achava que era uma interrupção abrupta, que provavelmente não era bem vinda pela maioria das pessoas na platéia. Você era tirado do meio de um show de rock e lhe davam uma forte dose de realidade, e às vezes era um pouco difícil voltar para uma coisa tão frívola quanto a um show que eles estavam assistindo a cinco ou dez minutos antes da aparição do real sofrimento humano. Mas no momento que parecia que as notícias noturnas iam se tornar parte do divertimento, acontecia justamente o contrário. Essa era uma forma de entretenimento apresentando uma dura notícia real onde não havia nenhum editor envolvido, nenhuma maneira de amenizar a dureza da realidade do que se estava vendo. Nós normalmente não vemos esse tipo de notícia. Nós temos tomadas editadas e higienizadas de tudo que está acontecendo, sejam as atrocidades em Ruanda ou o cerco em Saravejo. Quando você assiste os noticiários na televisão, você está recebendo alguma coisa palatável, enquanto que isso na verdade é extremamente desagradável na maioria das vezes. E por essa razão eu acho que isso afetou muito as pessoas, incluindo a gente.

Bono: Todas as noites, ao vivo via satélite, em um show de rock, você tinha o espetáculo extraordinário da realidade atropelando a arte. E depois a banda tentava recuperar isso.

Paul: O Larry sempre foi contra isso. Ele achava que nós estávamos explorando a miséria de outras pessoas para o entretenimento de outras. O Bono definitivamente achava que nós estávamos acendendo uma lâmpada em cima de algo muito importante.

Larry: Nós estávamos planejando um show de rock e isso tudo era muito divertido apesar do ambiente político ser bem pesado, nós fazíamos isso com um sorriso no rosto. Aí de repente, estávamos vendo fragmentos de vídeos de pessoas sendo bombardeadas e uma conexão ao vivo com as pessoas em Sarajevo dizendo, ‘Nós estamos sendo mortos, por favor venham e nos ajudem’. Isso era muito difícil de se ver e escutar, eu estava preocupado de nós sermos acusados de explorar essas pessoas. Eu me lembro de dizer para o Bono, ‘Eu não sei se eu consigo agüentar mais isso, as coisas estão muito difíceis lá’. Ele apenas me puxou de lado e disse, ‘Eu quero fazer isso, e eu vou fazer isso’.

Paul: A pior noite foi no estádio de Wembley, quando três mulheres aparecem no telão e disseram, ‘Nós não sabemos o que estamos fazendo aqui. Esse cara nos arrastou para cá. Vocês todos estão se divertindo. O que vocês irão fazer por nós?’ O Bono começou a responder, mas elas simplesmente interromperam. Elas disseram, ‘Nós sabemos que vocês não vão fazer nada por nós. Vocês vão voltar para o show de rock. Vocês vão esquecer até que nós existimos. E que nós todas iremos morrer’. Bem no meio do show em Wembley. E o show nunca se recuperou.

Bono: Isso foi muito triste. Mas no outro dia o Brian Eno tinha decidido que ia se envolver com o projeto War Child e várias coisas boas surgiram daí. Algumas pessoas foram inspiradas a tomar alguma atitude e outras ficaram horrorizadas. O Salman Rushdie subiu no palco nesse mesmo show. De novo, a tolerância era o assunto que nós estávamos discutindo. Liberdade de expressão era uma questão muito importante no meio musical e tinha algumas pessoas que queriam parar as histórias que surgiam nas ruas expressadas através do hip hop. Mas o Salman Rushdie já tinha passado por momentos verdadeiramente pavorosos na história da censura, quando o Ayatollah Khomeini emitiu um fatwab contra a sua vida por suposta blasfêmia contra o profeta Mohammed no seu livro The Satanic Verses. Os fundamentalistas islâmicos estavam tentando matá-lo e o Salmam passou a viver escondido desde 1998. Então foi sobre liberdade de expressão que nós conversamos com o Salman na frente de 70.000 pessoas. Ninguém queria ofender as convicções religiosas de ninguém. Eu tenho um enorme respeito pela cultura islâmica, mas eu iria encorajar os extremistas à considerar o assassinato de um escritor um sacrilégio para a minha religião. Deus não precisa de nós como os Seus guarda-costas. Certamente estamos no caminho errado. Nós estávamos tentando levar a situação com um pouco de humor. Eu estava vestido como o diabo e eu sussurrei no ouvido do Salman, ‘É inevitável que alguém sempre se machuca na biografia de outra pessoa’.

Paul: Naquela turnê nós fizemos quatro shows no estádio de Wembley, tocando para 240.000 pessoas. Nós viajamos para a Austrália, onde isso se tornou a turnê Zoomerand e depois New Zooland na Nova Zelândia. Sem trocadilhos, havia sempre uma grande expectativa para onde quer que nós levássemos o show. O público nunca ficava desapontado. Eram momentos sempre de muita criatividade. As pessoas que trabalharam comigo naquela época sempre se referem à Zoo TV como a turnê mais agradável que eles já tinham trabalhado.

Bono: Em uma pequena parada durante a turnê, eu gravei um dueto com o Frank Sinatra. Eu não era a escolha mais óbvia para cantar o clássico ´I Got You Under My Skin` com o Chairman of the Board, já com 77 anos de idade, mas eu era mais do que bajulado para ser convidado. Agendar foi difícil e nós gravamos os vocais em países diferentes. Eu fiz o meu no STS Studio em Dublin, com o produtor Phil Ramone. Eu me lembro do pessoal do Sinatra visivelmente dando para trás quando eu mudei a linha ‘você não sabe, seu tolo, você nunca poderá ganhar’ para ‘você sabe, seu velho tolo, você nunca poderá ganhar’. Eles se olharam e disseram, ‘Hey, ele irá rir... não irá?’ ‘Sim, sim, sim, ele irá rir’. O The New York Times colocou a música na capa de sessão de entretenimento e disse que isso era a melhor coisa no álbum de duetos do Sinatra. Eu fiquei muito orgulhoso disso. Aí alguém sugeriu que nós fizéssemos um clipe. Nós pedimos para o nosso amigo Kevin Godley dirigir. Eu fui locado em um dos bares prediletos do Frank em Palm Springs. O Kevin teve a idéia de gravar o primeiro encontro do Frank comigo naquele dia.

Edge: Aconteceu de eu estar em Los Angeles e o Bono disse para eu ir junto, apenas para apoio moral. Nós dirigimos para Palm Springs, nos encontramos no bar onde o vídeo deveria ser gravado. Uma idéia simples. O Bono entra no bar e vê o seu ‘velho amigo’ Frank sentado no bar. O Frank era incrivelmente charmoso, esperto, genial e tudo aquilo que você podia esperar dele, mas estava óbvio que ele já estava sofrendo com alguns lapsos de compreensão da realidade. Você podia ver o olhar de confusão no seu rosto quando ele se perdia naquela situação por alguns segundos. Estava ocorrendo tudo bem até que o Kevin, o nosso diretor, pediu para o Frank fazer de novo.

Bono: Então o Kevin me fez esperar do lado de fora, limpou a sala e deixou o Frank sentado no bar, esperando por mim. Essa não foi uma boa idéia, porque o Frank começou a ficar agitado. Ele não sabia o que é que tava acontecendo. Ele teve uma pequeno ataque de pânico. Eu estava esperando do lado de fora quando ouvi o barulho da confusão e escutei o grande homem gritando, ‘George, Schlatter, nos tire daqui! O que nós estamos fazendo?’ Eles tentaram acalmá-lo dizendo que ele estava gravando um clipe com o Bono. Rapidamente ele respondeu, ‘Sonny Bono? Para que eu estou fazendo um vídeo com ele?’ Ele começou a ir embora. Tentaram de tudo, mas não conseguiram impedi-lo. Ele tinha algum tipo de perda de memória temporária. Todo o seu pessoal estava muito embaraçado. A minha equipe estava muito embaraçada porque eu não era o Sonny Bono!

Edge: Eu gosto de pensar que ele estava apenas afrontado com a idéia de ter que fazer tudo de novo, porque eu imagino que o Frank era o tipo de cara que não faz duas tomadas. Ele faz direito na primeira vez.

Bono: Ele me ligou depois para pedir desculpas. Ele disse, ‘Escute, eu não gosto de fazer várias tomadas. E quando eu fico sem fazer nada, algumas vezes eu me sinto desconfortável’. Então nós nos encontramos de novo e gravamos mais algumas cenas no banco de trás da sua limusine. Eles colocaram uma câmara no banco do passageiro da frente e no final dessa longa limusine branca, estávamos nós dois sentados, conversando sobre Dean Martin quando ele se virou para mim e disse, ‘Abaixe a janela’. Eu disse, ‘O que você disse?’ Ele respondeu, ‘Abaixe um pouco a janela’. Eu apenas fiz o que ele me mandou e olhei para ele. Ele disse, ‘Você fica melhor assim’. Ele estava me iluminando. A velha escola hollywoodiana. Incrível. Depois disso, nós todos fomos comer alguma coisa em um restaurante mexicano. A sua esposa, Bárbara, estava lá. Ela entrou vestindo uma linda calça vermelha, e o Frank fez um comentário, ‘Jeez, Bárbara, você está parecendo um coágulo de sangue!’ Ele estava em grande forma, contando histórias, bebendo uma tequila gigante em um copo do tamanho de um aquário.

Edge: Eu estava sentado ao seu lado e vi quando ele pegou o guardanapo azul que estava na frente dele, ficou encarando-o, dobrou-o perfeitamente e depois sussurrou, ‘Eu me lembro quando os meus olhos eram azuis que nem esse guardanapo’. Isso não era para ninguém escutar, ele estava resmungando para si mesmo. E ele colocou o guardanapo azul no bolso do seu paletó e o guardou.

Bono: Eu cantei, desacompanho, ´Two Shots of Happy, One Shot of Sad` e lhe disse que nós tínhamos escrito essa música especialmente para ele. Ele pareceu sinceramente emocionado. Ele nos convidou para ir para sua casa, onde ainda tomamos mais alguns drinks. Havia algumas brincadeiras clássicas entre ele e o seu barman, alguma coisa como, ‘Eu sou um garoto ou um homem?’, quando o barman lhe dava apenas metade da dose. ‘Faça isso valer a pena quando eu me levantar’. Ele era brilhante. Nós assistimos um filme na sua sala de cinema, onde todos os móveis eram branco-neve. O filme não era muito bom e tentar ficar acordado com tudo aquilo que o Sinatra tinha bebido me deixou com sono. Quando eu acordei, eu tive a sensação que as minhas calças estavam molhadas e imaginei o impossível. ‘Meu Deus, será que isso realmente aconteceu? No sofá branco? Não pode ser! Que derrota monumental, Irlanda versus Itália’. Mas eu tinha apenas derramado a bebida. Ufa! O Frank era muito generoso. Em algum momento durante aquela noite, ele me mostrou algumas das suas pinturas e eu fiz um comentário sobre uma em particular. Na outra semana, a pintura foi entregue na minha casa. Ele me mandou um lindo relógio Cartier de platina e safiras, gravado nele ‘de Francis Alberto para Bono’. Ele era um homem muito generoso. Uma das minhas histórias favoritas é sobre dar gorjetas. Ele aparentemente deu a maior gorjeta do mundo. Uma noite ele deu à um porteiro cem dólares apenas por ele ter aberto a porta. O porteiro praticamente não teve nenhuma reação, o que fez o Frank parar. Ele olhou para trás e disse, ‘Essa é a maior gorjeta que você já ganhou por abrir uma porta?’ O porteiro respondeu, ‘Não, já ganhei uma maior’. O Frank irritado quis saber, ‘Quem lhe deu mais do que cem dólares por abrir uma porta?’ ‘O senhor me deu duzentos semana passada’, respondeu o porteiro. Ele é uma figura mítica.

Larry: Na época que nós chegamos na Austrália, a turnê já estava na estrada há dois anos e a equipe já estava começando a ficar um pouco sem noção. Eu comecei a perceber que o Adam estava bebendo muito e que ele já estava bêbado no começo da tarde. Isso nunca pareceu afetar o seu trabalho, portanto não acionou o alarme. O Adam era um bêbado legal, era divertido, mas não era rabugento, pelo menos em lugares públicos. Podia até ser diferente em lugares mais privados. Foi só muito mais tarde, quando nós conversamos sobre isso, que eu comecei a entender os demônios contra os quais ele estava lutando. Mas ele era muito discreto. No meio disso tudo, ele parecia que estava apenas bebendo um pouco mais e tendo bons momentos.

Edge: Estar na estrada é muito difícil. Ficar na estrada por tanto tempo assim é ainda mais difícil. O mais difícil é manter o nosso senso de espaço e identidade dentro da nossa comunidade. É um estilo de vida que deixa você com muito pouco tempo para si mesmo, mas simultaneamente é muito solitário. Quando podem, as pessoas tendem a sempre agarrar a oportunidade de fazer alguma coisa sozinhos. Eu acho que no caso do Adam, infelizmente, naquela turnê ele entrou num círculo de auto-destruição, hábitos privados, que eram todos os tipos de indulgências e abusos, em termos de álcool e provavelmente de outras substâncias e outras atividades também. Houve poucos episódios durante todos esses anos em que o Adam apagou, entretanto nunca antes de um show, e isso foi visto como uma forma de apagar um pouco toda essa fumaça. Isso nos pegou de surpresa, quando de repente se tornou um grande problema. Eu tava um pouco cego. Eu não percebi que ele estava afundando.

Adam: A vida era bem caótica. Eu realmente não gosto desse tipo de intensidade, eu não gosto desse tipo de atividade então, enquanto eu podia, ia levando isso, seria bem honesto dizer que eu já não estava mais no controle. Toda noite era uma festa, mas eu não acho que eu me sentia muito satisfeito ou em paz, isso com certeza. Eu ficava bem durante o dia, ficava bem durante o show, mas depois era muito fácil passar a noite fora ou apenas bebendo no meu quarto. Eu estava começando a perceber que toda vez que eu bebia, eu não podia ter certeza do resultado final. E sempre fazia o dia seguinte ser pior. Então eu decidi desistir e para de beber durante a fase final da turnê. Nós estávamos filmando os shows no Sydney Football Stadium para o grande vídeo da turnê. Ainda é difícil para eu perceber o que realmente aconteceu. Tudo que eu posso dizer é que eu me lembro de pensar na noite anterior, ‘Mmm, seria legal ter uma garrafa de vinho’. A próxima coisa que eu me lembro foi das pessoas tentando me acordar no dia seguinte às 7 horas da noite para ver se eu conseguiria descer e fazer o show. Eu realmente não consigo me lembrar do que aconteceu nesse meio período, a não ser que eu saí um pouco e fui para o mini bar no meu quarto.

Larry: Os shows em Sydney foram grandes eventos, David Mallet era o diretor e ele tinha montado 25 câmeras. O Adam não apareceu para a passagem de som. Ele estava no seu quarto e não iria aparecer. Eu ligava para ele e eventualmente ele atendia. Eu disse, ‘O que está acontecendo?’ Ele falou, ‘Eu não vou conseguir fazer o show’. Eu respondi, ‘Olhe, apenas se arrume e desça, que aqui nós conversaremos sobre isso’. Mas ele simplesmente não conseguia fazer isso. Em um milhão de anos, essa era a última coisa que ia me passar pela cabeça.

Adam: Eu estava tão instável, me tremendo todo e emocionalmente abalado, apenas completamente desligado, que não tinha nenhuma chance de ficar duas horas no palco.

Edge: Obviamente o tempo era uma questão dramática, porque era o grande vídeo sobre a Zoo TV que nós iríamos lançar. Havia muito dinheiro envolvido nisso. Eu acho que provavelmente foi toda essa pressão que fez ele desmoronar. Ele estava numa situação terrível, mas se você fosse ver toda o peso de responsabilidade que o Adam estava carregando e comparar com, digamos, o Bono, ou mesmo eu, ela era bem leve. Mas cada um lida com estresse e pressão de uma forma diferente. Isso foi apenas o estopim para a queda do Adam, da turnê e desse show de TV.

Larry: Essa foi a primeira vez que um de nós não apareceu para um show. Nós estávamos em choque, mas não tínhamos tempo para parar para pensar, tínhamos apenas que lutar e ensaiamos durante a passagem de som com o técnico de baixo do Adam, o Stuart Morgan. O Stuart estava trabalhando com o Adam há dois anos e sabia o que fazer. Ele acabou fazendo o show.

Edge: Nós tomamos a decisão de não cancelar o show, mas usar um substituto. Foi uma decisão muito difícil, mas eu acho que foi a mais correta. Eu acho que isso ajudou o Adam a repensar nas coisas. Como ele perdeu o show, ele podia de fato escutá-lo à distância, e foi a primeira vez que ele escutou a banda tocar sem ele. Eu acho que isso deixou tudo mais claro para ele.

Adam: Isso era uma coisa muito difícil de encarar. Perder um show não é necessariamente a pior ofensa na sua vida, mas para mim, foi a primeira vez como membro do U2 que eu deixei os meus amigos se sentindo mal. E isso não era por doença ou uma tragédia pessoal, isso era auto-infligido. Parecia que eu não tinha mais controle sobre mim, o que era muito assustador. Apesar do fato de que doze horas depois eu ainda estava tremendo e ferrado, isso não era legal. Ainda mais o fato de que a banda toda estava envolvida nisso. Era uma calamidade espetacular. O show foi filmado, mas eu nunca assisti, eu não queria ir lá. Esse foi um momento divisor de águas. Estava bem claro que eu tinha um problema com álcool. Eu entendi que isso era real, era sério, e eu precisava me recuperar.

Larry: Nós tivemos uma conversa com o Adam. A gente disse, ‘Vamos primeiro terminar essa turnê e resolver esse problema depois’. O Adam estava tão assustado quanto a gente. Eu acho que ele alcançou um estado em que ele não conseguia encontrar a saída. Havia muita simpatia, mas nós deixamos bem claro o que queríamos que ele fizesse. Nós éramos uma banda e precisávamos uns dos outros. Não ia ser possível continuar desse jeito. Algumas palavras duras foram ditas.

Adam: Eles estavam muito preocupados e um pouco chateados também. Mas eles apoiaram a decisão que eu tomei naquele momento, que foi dizer para eles que eu tinha um problema com álcool. Foi nesse momento que eu oficialmente parei de beber.

Bono: O Adam era uma companhia muito agradável, mas era uma pessoa triste, eu acho. Nós estávamos brincando de ser estrelas de rock, mas ele estava realmente vivendo essa vida. A sensação que eu tinha, não era que ele estava nos abandonando, mas sim que ele tinha sido vencido. De uma forma irônica, o Adam é uma pessoa muito profissional. Não aparecer para um show seria uma coisa impensável para ele. Ter o técnico tocando no seu lugar era uma coisa que ia levar algum tempo para ele se recuperar. As nossas primeiras dúvidas sobre ele eram: ‘O que nós vamos fazer para ajudar ele a sair disso?’ Ele tinha mordido um pedaço muito maior do que ele podia mastigar.

Paul: Eu acho que eu vi isso se aproximando e tentei apenas ignorar. Mas algumas vezes as pessoas acabam se libertando quando estão sob pressão. Eu certamente não queria condená-lo pelo que estava acontecendo. Isso foi aterrorizante naquele momento porque nós tínhamos a produção do filme e para fazer esses especiais você precisa filmá-los por pelo menos dois dias para conseguir alguma coisa que preste. O que isso de fato significava era que nós tínhamos apenas um dia. Isso foi uma grande decepção e um sinal para acordarmos. E eu não sou nenhum anjo, mas eu não tenho que subir no palco. Existem pessoas na banda que bebem e pessoas que não bebem. O Adam certamente não bebe mais. Eu acho que quando nós todos ficamos velhos começamos a perceber o quanto isso é perigoso.

Bono: Nós perdemos o primeiro dia de filmagem porque o Adam não estava. Então nós tínhamos apenas uma noite para filmar e ele ainda estava mal. Mas ele está incrível no filme e há uma certa ousadia no seu jeito de tocar, contra todas as expectativas. Eu não sei como ele conseguiu isso. Nós todos achávamos que isso era o fim. Nós não sabíamos se queríamos continuar com alguém tão infeliz assim. Mas a performance de ‘One’ definiu o que era aquela noite e talvez o que a banda é. Nós éramos um, mas não éramos o mesmo. Nós temos que carregar um ao outro.

Larry: A turnê acabou em Tóquio. As pessoas tinham que se libertar desse elo e Tóquio era o lugar certo para isso. Nós nos atiramos nas entranhas dessa incrível cidade de ficção científica. As coisas ficaram um pouco fora de controle.

Edge: Tóquio parecia a capital da Zoo TV. Era como se tudo com que nós estávamos tocando e usando como material para a exposição sobre o final do século XX, era ainda mais evidente em Tóquio, uma deslumbrante cidade futurista. Todos ficaram um pouco instáveis, mas isso era bom. Era o fim de um trabalho de três anos e havia um sentimento de como se fosse a última semana de aula na escola.

Bono: Eu sempre adorei ir para o Japão, mas dessa vez eu estava mais endiabrado ainda, eu queria sair o tempo todo. É claro que nós sempre tínhamos várias pessoas para nos acompanhar. Mas uma noite, para escapar dos seguranças, eu fugi pela porta dos fundos de um bar em companhia do Fighting Fintan Fitzgerald, que era responsável pelo nosso figurino. Nós nos juntamos a outro grande amigo nosso do mundo da música, que eu não sabia que na época estava lutando contra a dependência de heroína. Nós andamos pelas ruas, pelos becos, à procura da boate ou do bar perfeito, encontrando pessoas locais pelas ruas, explorando os caminhos sujos. Nós acabamos no apartamento de uma garota, um lugar pequeno, no estilo japonês, bebendo algumas cervejas e jogando conversa fora. Algumas pessoas começaram a fumar um baseado, e mesmo que eu não fumasse maconha eu sabia que no Japão a pena é de dez anos de prisão por isso. Então eu perguntei aos anfitriões se aquilo era uma coisa sensata a se fazer. Me explicaram que a polícia não aparecia ali. Aquela era uma casa comandada pela Yakuza, a máfia japonesa. ‘Bom, isso é ótimo’, eu pensei comigo mesmo. ‘Agora eu me sinto seguro!’. Eu acho que o nosso amigo tinha nos levado para esse lugar para conseguir um pouco da droga. Eu sabia que tinha alguma coisa estranha acontecendo. Não estava lá muito animado e eu estava com sono e acabei dormindo sobre algumas almofadas. Quando eu acordei eu achei que tinham posto alguma coisa na minha bebida. Eu estava alucinando. Tinha uma cobra de quase dois metros de comprimento subindo pelas minhas pernas. Eu fiquei completamente congelado. Não sabia o que fazer, até que eu escutei o Fighting Fintan Fitzgerals gritando, ‘Não entre em pânico. A minha mãe trabalhava num zoológico!’ Ele pegou a cobra e a colocou em volta do seu pescoço. O Fintan não tinha medo, mas não posso dizer o mesmo da cobra. Escutamos algo parecido com o barulho de um copo de água sendo derramado no chão e o choro do nosso bravo homem, ‘Ela fez xixi em mim!’ As cobras fazem xixi quando são perturbadas. Uma das garotas se apresentava em algum tipo de teatro e a cobra era parte da encenação. Para usar um velho clichê, nós nos desculpamos e fomos embora.

Larry: Eu saía todas as noites e ficava fora durante a noite toda, o que era uma coisa que eu nunca tinha feito antes e nunca mais fiz desde então. Nós estávamos nos divertindo, explorando as entranhas da cidade. Eu também saía sozinho, o que eu também nunca tinha feito antes. Eu passei por várias situações estranhas e maravilhosas e tentava escapar das grandes confusões, mas acabei caindo em algumas. Eu já estava tão acostumado a ficar fora de casa, tão envolvido nesse mundo do U2, a idéia de voltar para qualquer forma de normalidade estava me deixando nervoso. Eu não sabia se eu estava preparado para voltar para Dublin, dormir na minha casa, acordar e conviver com a minha família e os meus amigos. Essa vida normal parecia estranha para mim.

Bono: Jimmy Iovine costumava dizer, ‘A estrela do rock é desperdiçada em você’. Mas eu acho que nós fizemos um bom trabalho nos anos noventa, apesar de na maioria das vezes ser um trabalho de meio expediente. Nós estávamos tocando e atuando, mas é justo dizer que estava ficando cada vez mais difícil conseguir tirar aqueles óculos. Havia uma certa liberdade em apenas deixar isso para trás.

Paul: Todos ficaram um pouco loucos após o final da turnê. Você tem respostas fisiológicas que continuam por meses depois. Por volta das 9 horas, você despertava de repente e perguntava, ‘Onde é o show? Onde é o show?’ Quando você acaba uma turnê, você devia ser alertado por um médico assim como quando ele faz com os seus pacientes após prescrever Valium: Não tome nenhuma decisão importante ou dirija carros por um tempo.

Larry: Eu me lembro do Edge dizendo, ‘Hey Larry, que tal você e eu comprarmos um ônibus e viajar pela América, e fazer isso por mais um ano?’ Eu olhei para ele e por um segundo eu pensei, ‘Oh yeah’. Porque a outra alternativa parecia ser muito dura. Mas graças a Deus, o bom senso prevaleceu. Nós fomos para casa.

*Páginas 250, 251, 254 e 257 - Fotos

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