Especial Boy 40: Review faixa a faixa do disco
Especial Boy 40: Review faixa a faixa do disco
18 de outubro de 2020
Especial Boy 40: Review faixa a faixa do disco
O colunista Suderland Guimarães traz suas impressões – conceituais e técnicas – sobre cada faixa do álbum “Boy”. Quer saber o significado das canções? Então boa leitura!
Suderland
Colunista do U2 Brasil

Boy é o álbum de estreia de uma das maiores bandas dos últimos quarenta anos. Lançado em 20 de outubro de 1980, é o primeiro álbum da icônica banda de rock irlandesa U2. Seria produzido por Martin Hannett, mas antes de iniciar o trabalho ele desistiu, perturbado com a recente morte de Ian Curtis do Joy Division. Foi quando Steve Lillywhite assumiu a produção. Em geral, o álbum recebeu resenhas positivas. Paul Morley, da NME, chamou Boy de "honesto, direto e distinto", enquanto Betty Page da Sounds apelidou o U2 de "jovens poetas do ano". Lyndyn Barber, do Melody Maker, saudou-o como um álbum "rico", escrevendo que "Boy é mais do que apenas uma coleção de boas faixas montadas em uma ordem arbitrária", e que tinha "inocência e confusão juvenil".

Quanto à recepção nas paradas de sucesso, na lista da Billboard 200 o álbum Boy alcançou a posição número #63. No Reino Unido atingiu a posição de número #52. O álbum terminou na #18 posição no "Melhores Álbuns" na lista da revista The Village Voice, dos críticos da enquete Pazz & Jop. E o tempo se encarregou de fazer justiça com o Boy, dando-lhe justo reconhecimento por sua importância não só para o U2, mas para o mundo do rock. Em 2003, o álbum ficou na posição #417 na lista dos "500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos". Num artigo de 2013, a revista Rolling Stone considerou o Boy como um dos 100 melhores álbuns de estreia de todos os tempos. Por fim, a Uncut classificou o Boy no número #59 na sua lista dos "100 Greatest Debut Albums". Uma curiosidade: Boy é o único álbum do U2 que todas as músicas (assim como os B-sides) foram tocadas ao vivo pelo menos uma vez.

“I Will Follow”

É apropriadamente a primeira música do primeiro álbum, ela deu ao U2 seu primeiro gostinho de sucesso no mainstream. É a faixa mais forte do álbum, com uma bateria e um baixo marcante, os riffs da guitarra do Edge é um dos mais conhecidos do U2 e que virariam sua marca registrada, herança do punk dos anos 70. A letra sobre algo muito pessoal e forte, a relação do Bono com sua mãe, que morreu quando ele tinha 14 anos. Os sons de percussão enigmáticos e a batida dançante fornecem a base perfeita para essa canção que se tornou um dos grandes sucessos do U2 dos anos 80 e que até hoje agita o público nas apresentações ao vivo da banda.

“Twilight”

Com uma temática que remete a entrada na adolescência, o jovem protagonista nesta canção relata as crises de identidade que permeia a mente dos adolescentes. É uma canção pop bem trabalhada, possui uma atmosfera e arranjo que permitiu ao Edge mostrar sua versatilidade. Ele mostrou um estilo que seria imitado por muitos guitarristas posteriormente. O baixo do Adam também se destaca, conversa com guitarra do Edge a música inteira num diálogo perfeito. Há elementos do pós-punk e até um solo prolongado e estridente.

“An Cat Dubh”

Nessa canção vemos o perfeito casamento entre letra e melodia na criação de uma atmosfera de sedução que revela, alegoricamente, o florescimento da sexualidade do jovem Bono. Adam Clayton cria uma linha de base que dá sensualidade para a canção, enquanto Edge incensa o ambiente. Já Bono começa a mostrar sua criatividade como letrista ao usar uma metáfora para abordar o assunto. Assim como no ato sexual, a canção começa lenta e vai crescendo até atingir seu ápice no fim com um belo solo do Edge. Com todos esses elementos juntos eles exploram os mistérios do sexo. Curiosidade: o título dessa canção é a frase gaélica para "o gato preto".

“Into The Heart”

É a continuação da faixa anterior, mas o ritmo muda, serena, o efeito chorus na guitarra do Edge e o baixo do Adam agora são melancólicos, criam o cenário perfeito para Bono cantar os sentimentos de infância que ele não estava pronto para perder. Por fim vem o refrão acelerado que é quase um grito de desespero: “Dentro do coração, dentro do coração de uma criança. Eu não posso voltar. Eu não posso ficar...”.

“Out Of Control”

Nessa letra Bono escreve sobre seus 18 anos e uma preocupação precoce com a crise existencial provocada pela certeza que um dia morremos. Provavelmente porque aos 14 anos, quando sua mãe morreu, esse tema ficou tatuado na sua alma. “Out of Control” é, ao lado de “I Will Follow”, a música mais punk-rock do Boy. É enérgica, os ganchos de guitarra atraentes e afiados do Edge combinam com a base rítmica e sólida fornecida por Adam e Larry. Foi uma ótima escolha para balancear com as duas anteriores. As linhas cantadas pelo Bono é apoiada brilhantemente pelos riffs do Edge, que dão textura e complementam a voz do Bono (ao invés de roubar os holofotes desnecessariamente), o que virou uma marca da banda. A identidade única da banda é palpável nesta faixa e o carisma de Bono é manifesto. E, em meio a toda a fúria dessa canção, há uma pausa silenciosa construída para o tipo de explosão que Bono induziria na platéia, a famosa calmaria que precede a tempestade, no caso, de euforia.

“Stories For Boys”

As harmonias emocionantes e poderosas desta canção destacam a capacidade indiscutível da banda de escrever canções. O charme juvenil e cativante dos vocais do Bono, as linhas de baixo melódicas e impulsivas (inventadas por Peter Hook do Joy Division), os riffs apropriados para a letra criado pelo Edge e a bateria marcante do Larry fazem dessa canção um dos destaques do álbum. A letra é sobre histórias de heróis para garotos que, ao que tudo indica, era um hobby do Bono. Há um vídeo imperdível do U2 tocando essa música no programa The Late Late Show, em 1980.

“The Ocean”

Um canção de experimentação, mais uma para quebrar o ritmo das canções agitadas do álbum. Aqui vemos o jovem Bono demonstrando seu amor aos escritores clássicos ao mencionar o famoso romance de Oscar Wilde, The Picture of Dorian Gray. Nessa canção Edge, Adam e Larry criam uma sonoridade cinematográfica nebulosa, com sons de água, para ambientar a cena existencial que o Bono escreveu nessa letra. Quase sentimos os pés molhados pensando em Oscar Wilde.

“A Day Without Me”

É o primeiro single lançado do álbum Boy, o quarto single do U2 no geral. Foi também o primeiro single do U2 a ser lançado fora do Reino Unido e Irlanda, desempenhou um papel fundamental para lançar a banda nos Estados Unidos. A letra dessa música é sobre o afastamento de alguém, uma pessoa que deixou o mundo para trás, refletindo sobre como seria o mundo sem sua presença. Muitos chegaram a acreditar que essa letra era sobre a morte de Ian Curtis, que morreu em maio de 1980, mas há registros que a banda cantou essa música em Dublin, em fevereiro de 1980, musical e liricamente inalterada em relação ao seu formato de lançamento. Na sonoridade se destacam a bateria do Larry, com batida forte e marcante, e os riffs do Edge com delay na guitarra, que criam um ambientação etérea e agradável.

“Another Time, Another Place”

Uma batida marcial forte e um riff gelado dão força a essa música agressiva, que, segundo o Bono, é sobre “sexo em Dublin quando era adolescente. É sobre encontrar um lugar onde você possa estar com sua namorada, o que foi um problema real na época”. É a angústia adolescente apresentada como um desfile militar. Mais um registro dos impecáveis e certeiros do riffs e solos de guitarra do Edge, que mostrou já no primeiro álbum o que se tornaria a marca registrada da sonoridade da banda.

“The Electric Co.”

Esta música é sobre terapia de convulsão elétrica ("electric convulsion therapy"), que era dada a pacientes mentais em hospitais públicos da Irlanda. E aconteceu com um amigo da banda, então eles escreveram uma música raivosa sobre isso... “Se você não conhece, Electric Co.” E eles conseguiram expressar essa raiva de forma magistral nessa música. Outra marca registrada da sonoridade do U2 já surge nessa canção, que são essas partes ("bridge") em que os instrumentos parecem fazer um intervalo, mais "serenos", a fim de criarem a tensão necessária para o refrão final. O riffs estridentes e nervosos do Edge junto com a bateria acelerada e forte do Larry criaram o ambiente perfeito para o Bono soltar sua voz com fúria e força, em alguns momentos até soou como um tenor. Aliás, não por acaso, Bono fazia snippet de “Send In The Clowns” durante as apresentações ao vivo. Com essa canção a veia pós-punk do U2 ficou exposta.

“Shadows And Tall Trees”

O título foi tirado do livro "Lord Of The Flies", de William Golding, cujo quinto capítulo leva o mesmo nome. A música e o álbum são sobre infância, inocência e conflitos, assim como o livro de Golding. A mensagem que permeia o Boy é a natureza psicológica da transição da infância e adolescência para a idade adulta, na qual se perde a inocência. A canção que encerra esse belíssimo álbum traz um violão acústico acompanhado de uma bateria cadenciada, forte e repleta de eco.

Essa é a leitura que faço do Boy, álbum com influência do pós punk, sincero, forte e com hits que viraram clássicos e iniciaram dignamente a jornada daquela que seria umas das maiores bandas de rock do mundo, U2. Prova disso é que após 40 anos o álbum Boy ganhou destaque nas principais listas das revistas especializadas. Acho que vale a pena ouvir o disco novamente atentando para todos esses detalhes, até é sempre um prazer ouvir esse grande álbum do U2.

PS.: Um agradecimento especial ao meu amigo músico e fã do U2, Daniel Olsson, que deu uma dicas preciosas sobre os detalhes técnicos de algumas músicas.

Suderland Guimarães
@suderland

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