Senhorias
Senhorias
08 de março de 2018
Senhorias
Vicky
Editora do U2 Brasil

Mais um 08 de março, mais um dia de lembrar a importância e o papel não apenas das mulheres, mas do feminino em todo o mundo. O dia de não reforçar clichês ou quebrar paradigmas, mas sim de fazer com que cada mulher perto ou longe de você se sinta parte mais do que relevante na sociedade atual. Sonoridade, união, respeito, diversidade, escolha, igualdade, respeito, igualdade, segurança, são palavras que cada vez mais precisam e devem ser associada as mulheres.

Como dito no nosso texto no ano passado, o U2 pode ser uma banda feminista e feminina sem necessariamente carregar um rótulo ou empunhar bandeiras, mesmo que tenha feito isso por muitas causas ao decorrer dos anos. As mulheres sempre estiveram presentes de forma significativa, forte e real na vida, na música e nas letras da banda, podemos dizer que de certo modo eles viveram desde a adolescência em um verdadeiro regime matriarcal no qual as mães, filhas e esposas determinaram seus destinos e suas escolhas, sendo na figura da mãe que deixa o filho tão cedo, das filhas que viram adultas diante dos olhos dos seus pais ou as que se movem por caminhos tortuosos e misteriosos em todo o planeta.

Sendo assim as mulheres não poderiam estar de fora da “jornada final” da banda rumo a experiência relatada nas letras de Songs of Experience lançado em dezembro do último ano. Como já analisado por nós – e por tantos fãs nos quatro cantos – o disco em questão traz letras que miram o testamental, Bono teria pensado em cada uma delas como verdadeiras cartas aos seus entes queridos e pessoas que os cercam, isso inclui claro as mulheres que fazem parte da sua vida e de toda a banda. Ali, Jordan e Eve são banhadas por conselhos, lembranças, imagens escritas por um popstar, por um ativista, por um observador, por um pai, por um apaixonado, por um bobo, por um homem, um homem que é ciente de que o seu legado direcionado tanto ao torno das faixas e sentimentos expostos não existiria sem cada uma delas.

Landlady e You Are The Best Thing About Me, talvez sejam as músicas mais obviamente dedicadas a uma mulher dentro de Songs of Experience, e essa não poderia ser ninguém além da onipresente Alisson Hewson, companheira de Bono desde os seus tempos de colégio e talvez a segunda figura feminina mais importante de sua vida, só perdendo o posto para Iris, a mãe que infelizmente não pode ver seu filho virar uma das figuras mais conhecidas do planeta. Bono por diversas vezes disse e cantou que Ali é o seu porto-seguro e que definitivamente ela era a responsável por ele ser quem era, ou seja sem Alisson, Paul não seria Bono. Mesmo que a inspiração para o título do primeiro single de Songs of Experience tenha vindo do jornalista Eamon Dunphy que disse à Bono certa noite em um bar de Dublin algo como: “Bono, a Ali é a melhor coisa em você”, o nosso vocalista afirma que a música veio de um medo de perde-la surgido no meio de uma noite. Todo o amor adolescente reaparece nas linhas de toda a letra, não é o amor transcendente, espiritual, “pesado” de outras letras como Hawkmoon 269

Like a desert needs rain
Like a town needs a name
I need your love.

Like a drifter needs a room
Hawkmoon
I need your love.

Como um deserto necessita a chuva
Como uma cidade necessita um nome
Eu necessito seu amor.

Como um indeciso necessita um quarto
Hawkmoon
Eu necessito seu amor.

Gravada no álbum Rattle and Hum, ou aquele amor prometido de All I Want is You também do mesmo álbum, quando o Bono perto dos 30 anos exalta a sua busca, agora o Bono na beira dos seus 60 anos soa  inocente e querendo de certa forma agradecer por tudo, agradecer pelos filhos com uma certa pureza que se mistura com todo o medo e incertezas que ecoam por todo o álbum. Guardada as proporções, talvez seja a música que juntamente com a “fofinha” Sweetest Thing escrita para se desculpar por ter esquecido o aniversário do seu bem querer, faça a I wanna hold your hand  do U2. Namorinho de portão, de escola, do coração acelerado.

Landlady, em uma tradução mais simples: Senhoria.

  1. proprietária da casa que está alugada
  2. qualidade ou autoridade de senhor ou senhora
  3. tratamento que se dá a pessoas de boa posição e que, outrora, se dava só às pessoas da alta nobreza

Ouvi de alguns, aliás especialmente de algumas, fãs a afirmação de que essa letra seria machista, sexista, e que Bono estava menosprezando Ali ao coloca-la na porta de casa esperando por ele quando retornava para casa, que isso fazia com que reforçasse o estereótipo da mulher “do lar” enquanto o macho alfa provedor sai de casa. Não querendo defender cegamente o Bono – porque eu normalmente até que consigo colocar a cabeça no lugar – acredito que Landlady seja tudo, menos machista ou algo do gênero. Se o Bono é o narrador, não há como ele não colocar a sua visão, e o que seria mais presente na sua vida, aos longos de 40 anos do que voltar para a casa e para a sua esposa. A figura a beira da porta, não é necessariamente passiva, frágil ou delegada a segundo plano, quem coloca isso reforça mais os antigos paradigmas da nossa cabeça, e, quem conhece a biografia de Ali sabe que nem de longe ela faz o gênero “bela, recatada e do lar”. Ali, grávida, esposa de um rockstar conquistou seu diploma em Política e Sociologia na University College de Dublin, antes disso, logo que Bono começou a se envolver com os problemas sociais no continente africano, Ali esteve ao seu lado.

“Ela nunca será usada como um broche. Nós temos uma relação repleta de sentimentos justamente porque ela é sua própria mulher.”

—Bono descrevendo seu casamento, em 1987

“Nosso casamento tem dado certo porque gostamos um do outro, conversamos um com o outro, e somos apaixonados pelo que fazemos. E nos permitimos ter objetivos próprios. ”

Ali traçou o seu próprio caminho por causas sociais, apesar de ter abandonado o seu sonho adolescente de ser enfermeira, ela não aceitou – e também jamais foi delegada esse papel a ela por Bono – o papel de “mulher de um astro do rock”. Desde 1994, Ali é patrona o projeto Chernobyl Children’s Project International, entidade que tem como apoio a ONU (Organização das Nações Unidas) e que exerce um papel muito importante na vida das vítimas do pior desastre nuclear do mundo acontecido na Rússia nos anos 80. Aliás , a questão do uso da energia nuclear e dos seus riscos ocupa um papel fundamental na vida de Ali desde o início da década de 90 quando se uniu ao Greenpeace – algo que o U2 também fazia – em protesto contra a criação de novas usinas. Além disso, Ali é fundadora e responsável por duas empresas: a EDUN, grife de moda fundada em 2005 e a NUDE Skincare nascida dois anos depois.

A Senhoria que espera a porta da casa, jamais pode ser a figura fraca, pensem em todas as mulheres que ao longo da História mantiveram as suas casas e famílias seguras enquanto “seus homens” iam para a guerra, elas eram ou são fracas? A Ali que espera e esperou Bono por tantos anos é a dona da sua vida, a dona da sua família, o porto na tempestade, alguém que sem claro o U2 e nós não estaríamos aqui até hoje.

 

 

 

Sim. Ali e eu estamos provavelmente mais apaixonados agora do que quando nós ficamos juntos a primeira vez. Eu não acho que é dado muito crédito, mas quando as pessoas trabalham através de seus problemas e ficam juntas – “Ordinary Love” (Amor Comum) é isso. Espero que seja interessante escrever canções de amor. Não as centenas de milhares de canções sobre a paixão e perder a sua cabeça ao amar. Não é interessante escrever músicas frias, medidas, estilo “Como chegamos aqui”?

Bono – Rolling Stone, 2016

Jordan e Eve, as duas jovens mulheres na “linha de sucessão” de Bono e do U2, até o momento talvez sejam as que mais se aproximam de seguir a carreira dos pais famosos. Jordan ligada a movimentos sociais como o pai, Eve já consolidando a sua carreira de atriz.

"A banda está sempre ouvindo música, e eu tenho meus filhos. Jordan é uma pretensiosa musical, uma esnobe indie. Eve é hip-hop. Elijah está em uma banda, e ele tem sentimentos muito fortes sobre a música, mas ele não faz qualquer distinção entre, vamos dizer, o The Who e o The Killers. Ou, você sabe, Nirvana e Royal Blood. Não é geracional para ele. É o som e o que ele está vivenciando. Ele acredita que uma revolução do rock & roll está ao virar da esquina."

As coisas que você deixa para trás, as coisas que você abandona. O que deixar para seus filhos, para as suas filhas. The Little Things That Give You Away, a carta de Bono para as suas filhas, a carta da inspiração das que guiam seus próximos – e talvez últimos passos – Bono disse desde o início que a primeira música de Songs of Experience a aparecer ao vivo era direcionada a elas, e em cada linha vemos um pai sofrendo de um pouco da “síndrome do ninho vazio” ao ver as suas primogênitas tornarem-se mulheres adultas diante dos seus olhos. está ali o temor de se encontrar na encruzilhada do começo da vida adulta, de sair para o mundo, de tomar suas decisões. Mas também está o medo de Bono de seguir em frente, de dar conselhos, de falhar como pai. É uma música de luz e sombra, é sobre precisar agir, e sobre o temer, é sobre lidar com emoções, escolhas. É uma angústia, mas não um medo paralisante, é saber que seguir é preciso, é sobre colocar tudo o que já se tem na mochila da vida e seguir em frente, mas com espaço para mais.

Talk To Me: Bono and Jordan Hewson

Em uma bela e emocionante conversa de pai e filho que virou entrevista para  o The Huffington Post, Jordan entrevista seu pai, ou seu “gêmeo cósmico” como ela diz já que eles dividem a mesma data de nascimento, os medos e as incertezas de um rockstar virar pai são colocadas:

“Eu não era o tipo de pessoa preparado para ter uma família, se estabelecer, mas você provavelmente salvou a minha vida. Eu me lembro de você nascer, eu me lembro em detalhes. Eu estava no estúdio de gravação e sua mãe veio me buscar. Ela empacotou um frasco de uísque, um livro que eu estava lendo, alguns jornais. Nós estávamos ali juntos, eu estava gravando. Até o último minuto eu estava, provavelmente, em negação. Um homem experimentando um grande medo, o nascimento de uma criança, porque não há nada que se possa fazer.”

Depois ele relata como dormiu com a pequena Jordan no seu peito nos primeiros dias da sua vida:

“Eu me lembro de gravar o seu batimento cardíaco, eu tinha um gravador portátil e estava gravando seu batimento, e eu iria gravar uma música usando o ritmo do seu batimento cardíaco, e notei que era um batimento um pouco lento, então chamei uma enfermeira e disse: 'olha, as batidas do coração dela ficaram mais lentos', e ela 'não, não se preocupe, é normal', e eu disse 'não, não, está lento', e então eu liguei para o médico, e ele teve aquela reação como a minha. E você foi trazida à existência. Você era tão pequena que eles sugeriram que você deveria ficar perto do coração de sua mãe ou do meu, e você era tão vulnerável que dormiu no meu peito por duas semanas. Aquela coisinha ali no meu peito. Você nasceu no dia do meu aniversário, o maior presente que eu poderia ganhar.”

E os batimentos cardíacos, os passos rápidos o rumo ao futuro ajudaram Bono na formação de Get Out On Your Own Way, eu posso ajudar mas é a sua luta... A luta do mundo, a luta da política, a luta dos refugiados, mas a luta diária de ser adulta, a luta de chegar ao futuro, a luta da mulher incrível que ele e Ali criaram. Para as filhas, para os filhos, sigam em frente, mas estaremos aqui para dormirem no peito sempre que precisarem.

 

 

E na capa do disco, fechando um ciclo a experiência e a inocência centrada nas figuras de Sian, filha de The Edge e Eiljah, filho de Bono. O futuro? Bem, reza a lenda que ele seja feminista e é bom, que estejam preparados para isso.

 

Feliz 08 de março!

Notícias relacionadas
SIGA O U2BR NAS REDES SOCIAIS


SIGA O U2BR NAS REDES SOCIAIS
parceiros
apoio
ouça a rádio oficial
CONTRIBUA COM O NOSSO PROJETO. CLIQUE AQUI PARA SABER COMO.
© 2006-2023 U2 Brasil PROJETO GRÁFICO: NACIONE™ BRANDING Special thanks to Kurt Iswarienko and iinchicore (Photography)