U2, proclamando um desafio, volta a Paris
U2, proclamando um desafio, volta a Paris
03 de dezembro de 2015
U2, proclamando um desafio, volta a Paris
Marina
Newsposter e colunista do U2 Brasil

Perto do meio de cada um dos recentes shows do U2, uma bomba falsa é detonada. O som da explosão, juntamente com a canção 'Raised by Wolves' relembra os carros-bomba terroristas de 1974 em Dublin e significam o marco do fim da inocência da banda na autobiográfica 'Innocence and Experience Tour'.

"Sangue na casa / Sangue na rua" (Blood in the house/Blood on the street), Bono canta. "As piores coisas do mundo são justificadas pela fé" (The worst things in the world are justified by belief). Mensagens em tributo passam em telas de alta tecnologia: "Lembrem-se das vítimas"; "Deixe a nossa cultura a sós"; "Justiça para os esquecidos".

Já mergulhados em geopolítica, o show do U2 elaborado para arenas fica impregnado de um novo simbolismo quando esta banda irlandesa termina sua turnê com dois shows em Paris no domingo e segunda-feira, 6 e 7 de dezembro, o último dos quais será transmitido na HBO à 0h (dia 8, horário de Brasília). Originalmente programados para 14 e 15 de novembro na Accorhotels Arena, os shows e o especial televisivo foram adiados logo após os ataques terroristas de 13 de novembro, que mataram 130 pessoas, incluindo 89 no Bataclan, um espaço de shows onde a banda Eagles of Death Metal estava tocando.

Menos de um mês depois, o U2 - que tocou no Madison Square Garden semanas após o 11 de Setembro e homenageou os trabalhadores da emergência no palco - irá realizar o maior show em Paris desde o ataque coordenado pelo Estado Islâmico.

"Algumas de nossas canções remontam à década de 80, sobre os acontecimentos na Irlanda e, de repente, tem um novo significado e uma conexão com esses terríveis acontecimentos em Paris", disse The Edge, guitarrista do U2, que acrescentou que a banda estava "pensando em alguns convidados especiais", para honrar a tragédia.

Por telefone, de Nova York, onde comemorou o aniversário de 10 anos de suas organizações humanitárias, ONE e (RED), Bono, o vocalista do U2, estava muito esperançoso em voltar para Paris, destacando a alegria e o desafio em face do terror. Estes são trechos da conversa.

Vocês fizeram dois shows em Paris antes dos ataques e estavam se preparando para o show da HBO. Onde você estava quando soube o que tinha acontecido?

Eu estava no palco e nós estávamos ensaiando no Bercy [agora Accorhotels Arena]. Fomos evacuados do prédio. Nós estávamos esperando que as notícias dos vários incidentes estivessem erradas. Era uma espécie de caos.

Qual foi o processo de decisão para cancelar os shows?

O U2 não tem um histórico de cancelar muitos shows. Suponho que o irlandês em nós apenas não quer ceder ao terrorismo. Nós tivemos isso em toda nossa vida. Mas pelo olhar no rosto de Arthur Fogel [chefe da turnê mundial pela Live Nation], eu podia ver que isso não ia acontecer. E então: Como podemos ser úteis para os Eagles of Death Metal? O que poderíamos fazer enquanto estávamos aqui em Paris?

Vocês visitaram o Bataclan para prestar suas homenagens.

Fizemos isso em nosso caminho para o aeroporto. Saímos na noite seguinte - nós tínhamos um avião, que colocamos à disposição dos Eagles, se quisessem, mas eles encontraram uma outra maneira. A melhor coisa que pudemos fazer para nossos colegas músicos foi comprar telefones para eles.

Então, vocês conseguiram falar com os Eagles of Death Metal?

Falei com Julian [Dorio] e Jesse [Hughes]. Mas aquela foi a melhor coisa, Jesse disse, conseguir os telefones para mensagens de texto e todas as coisas que você faz - mídia social - para descobrir o que estava acontecendo. Os telefones deles estavam no local.

Jesse levou-me através de cada momento. Eles realmente precisam de aconselhamento adequado, mas não vindo de uma estrela de rock irlandesa bem-intencionada. Porque o transtorno de estresse pós-traumático é um problema real para as pessoas que passam por essas coisas. Eles estão indo muito bem, mas foi muito ruim.

Quando chegou a hora de começar a pensar sobre remarcar as datas, era importante para vocês voltar lá o mais rápido possível?

Absolutamente. O terrorismo se baseia em pessoas sendo aterrorizadas e nós não vamos ser. Nós sentimos que a maior e real contribuição que podemos dar em um momento como esse é homenagear o povo de Paris, que nos trouxe o conceito de liberté, égalité, fraternité (liberdade, igualdade, fraternidade).

O ISIS e estes tipos de extremistas são um culto à morte. Nós somos um culto à vida. Rock n'roll é uma força da vida e sua alegria é como um ato de desafio. Isso é o que o U2 é. Esse é o cerne da nossa banda. O mais importante, neste caso, é o coração do nosso público. Eu agora já ouço como vamos ser abafados por aquela multidão francesa. E isso é poderoso.

Você se mantém com sua responsabilidade política para os ataques?

Há uma linha que eu tenho usado desde então, que na Irlanda sabemos que não devemos nos tornar um monstro para derrotar um monstro. Não são apenas as 130 vidas que foram roubadas. Eles também estavam tentando roubar a igualdade e a justiça. Na verdade, a partir de algumas reações exageradas - ou seja, nós apenas aceitamos refugiados cristãos - você pode dizer que houve um impacto direto. Se eles nos mudarem, então eles foram eficazes.

Você cresceu com a ameaça do terrorismo iminente em sua cidade natal. Como isso afeta  a maneira como você vê os recentes acontecimentos em Paris, Beirute e ao redor do mundo?

'Raised by Wolves' - em qualquer outra sexta-feira, eu estaria bem no centro de um dos carros-bomba em Dublin. Trinta e três pessoas morreram naquela sexta-feira. Eu perdi isso. Houve uma greve de ônibus naquele dia, que é a razão pela qual eu pedalei para a escola. Na minha espécie de auto-interrogação de por que eu escrevo do jeito que eu escrevo, eu pensei, "por que estou sempre escrevendo músicas sobre justiça social?". Percebi que este incidente quando eu tinha 14 anos deve ter realmente me afetado, embora eu tenha escapado.

O irmão do meu melhor amigo não escapou e ele ficou para sempre afetado por isso. Ele veio para os shows na semana passada em Belfast e em Dublin com um pedaço dos estilhaços do carro. Ele nunca foi devidamente aconselhado e ele viu coisas muito terríveis. Mais tarde, ele se tornou um viciado em heroína; ele dormia na rua. Agora ele está recuperado, mas ele trouxe um pedaço do carro que explodiu em frente a ele. Perguntei-lhe o porquê, e ele disse: "Eu levei um pequeno pedaço dele, porque ele tomou um pequeno pedaço de mim". Quarenta anos depois, as pessoas ainda estão sofrendo.

Quando se trata de refazer o show depois do que aconteceu, há partes que vocês irão ajustar? Por exemplo, as partes sobre os carros-bomba, com explosões?

Se você fosse escrever um script para Paris e se fosse para um show do U2, você chegaria em um show semelhante ao que temos. Essa é a coisa engraçada. Mas não é somente alegria como um ato de desafio; é o negócio como ele é, como um ato de desafio. Este não é um show para os heróis. Isto é apenas: "façam suas coisas". Isso é o que os franceses querem que façamos. Nós estamos fazendo o que eles dizem.

A turnê foi programada para terminar na Irlanda e agora os shows em Paris tornaram-se as últimas datas. Como isso muda a experiência?

Como é bizarro - e de uma forma engraçada, bem como inspiradora - que quando deixamos Paris fomos direto para Belfast e encontramos a paz? Encontramos esperança. Isto era supostamente um problema intratável. E esta era uma paz que era brutal. As pessoas tinham que realmente se comprometer a fazer essa paz.

Quando você fica sombrio sobre as coisas e pensa "meu Deus, há um fim a isso?". Sim, existe, apenas requer muito trabalho, muito tempo. Eu nunca fui um hippie - eu sou punk rock, realmente. Eu nunca fui de: "Vamos dar as mãos e a paz virá apenas porque nós vamos sonhar com isso para o mundo". Não. A paz é o oposto de sonhar. Ela é construída lenta e seguramente através de compromissos brutais e pequenas vitórias que você talvez nem veja. É um negócio sujo, trazer a paz ao mundo. Mas isso pode ser feito, tenho certeza disso.

Fonte: The New York Times

Notícias relacionadas
SIGA O U2BR NAS REDES SOCIAIS


SIGA O U2BR NAS REDES SOCIAIS
parceiros
apoio
ouça a rádio oficial
CONTRIBUA COM O NOSSO PROJETO. CLIQUE AQUI PARA SABER COMO.
© 2006-2023 U2 Brasil PROJETO GRÁFICO: NACIONE™ BRANDING Special thanks to Kurt Iswarienko and iinchicore (Photography)