U2BR entrevista: Dave Fanning
U2BR entrevista: Dave Fanning
02 de maio de 2020
U2BR entrevista: Dave Fanning
Âncora da RTÉ há mais de 40 anos, Fanning foi responsável por lançar o U2 nas rádios no início da carreira. Amigo pessoal da banda, ele tem exclusividade na transmissão de todo lançamento e coleciona várias histórias com o grupo.
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Toda banda grande, todo grande nome do show business passou pelo que podemos chamar era da inocência. Na maioria dos casos, as bandas se iniciaram como grupos de jovens, no meio ou recém saídos da adolescência com uma série de referências, uma boa dose de hormônios, um pouco de rebeldia e tentando procurar o seu lugar ao sol.

Se hoje em dia é possível se lançar a mídia e tentar o seu sucesso produzindo músicas no sofá da sua casa e com um toque na tela do celular, até o início desta década o processo não era assim tão simples, e durante a era da inocência do U2, no final dos anos 70, era ainda mais complicado. Podemos dizer que naquela época a música existia basicamente de maneira física. Ela precisava circular através de fitas demos, precisava ser vista ao vivo e chegar nas mãos das pessoas certas.

Dave Fanning foi uma pessoa determinante durante essa época, quando Bono e companhia ainda não tinham nem alcançado os 20 anos, mas já começavam a subir nos primeiros palcos da capital irlandesa. Nascido em Dublin, em 1956, sempre teve a música dentro da sua realidade, sendo um admirador desde a infância e parte de um fã-clube dos Beatles com apenas 8 anos de idade. Estudou na University College, tendo se graduado em inglês, Filosofia e titulado em Educação. Seu envolvimento com a rádio começou na pirata Radio Dublin em 1978 quando também passou a ser editor da revista musical Scene, até que em 1979 foi chamado para fazer parte da nova estação de rádio nacional irlandesa RTÉ Radio 2.

Por dois anos, Fanning foi DJ residente no McGonagles, um dos mais importantes espaços de show da capital irlandesa. Inaugurado em 1950 e batizado originalmente como The Crystal Ballroom, o lugar primeiramente era um espaço para dançar, reunindo nome de jazz e big bands, porém, nos anos seguintes, juntamente com a mudança de nome, veio o seu novo público. Aberto a receber grandes nomes, mas também dando espaço a bandas que estavam iniciando a sua carreira, o McGonagles foi importantíssimo nos primeiros dias do U2 que se apresentou lá por algumas vezes, bem como no The Baggot Inn, um outro point para a cena rock que começava a abrir mais ainda o seu espaço.

Com esse importante background, Dave ganhou o seu próprio programa de rádio na RTÉ Radio 2 e juntamente com o produtor Ian Wilson começaram a realizar as chamadas The Fanning Sessions. Várias gravações foram realizadas, contudo, para a sua estreia, Dave escolheu uma das bandas que havia visto ao fino durante os seus set de DJ, os quatro garotos que agora atendiam pelo nome de U2.

A relação estabelecida entre Fanning e o U2 permitiu que fosse durante o seu programa que a primeira gravação profissional realizada pela banda fosse tocada e os seus ouvintes decidissem quais dentre elas estariam no lado A e B daquele que viria a ser o primeiro EP dos garotos, o agora lendário U2-3, lançado em 1979.

Dave Fanning e U2 em entrevista durante 1987

Nos anos 80, especialmente durante a divulgação do mais que bem sucedido The Joshua Tree, Dave entrevistou a banda por diversas vezes, inclusive uma dessas entrevistas se tornou um dos “causos” mais famosos de toda a sua carreira e do próprio U2: a entrevista na qual simplesmente os quatro resolveram ficar pelados nos estúdios da rádio. Eles haviam acabado de chegar à capital irlandesa onde iriam realizar um show totalmente esgotado no Croke Park e foram prestigiar o programa do seu amigo.

Dave acabou por, além de garantir a exclusividade de acesso e transmissão dos álbuns e singles do U2, criar um vínculo muito estreito com eles, sendo com certeza um dos membros da tal da “tribo” mencionada por Bono. Em todo lançamento de álbum, a banda concede uma entrevista exclusiva. Em 2004, quando recebeu uma honraria especial pelos seus serviços à indústria musical irlandesa no Meteor Music Awards, ele foi apresentado por Larry Mullen Jr. e o grupo prestou sua homenagem. Além disso, Fanning foi durante vários anos escolhido como o melhor DJ da Irlanda por diversas revistas, publicações e sites especializados. A lendária Hot Press, revista mais importante do cenário musical irlandês, considera Fanning como "um dos rostos e vozes mais familiares na transmissão irlandesa", resumindo seu impacto de acordo com a publicação:

"Quando a revista Billboard se referiu à introdução da 2FM como um dos principais fatores por trás do crescimento da Irlanda como um grande centro musical, eles realmente queriam dizer Dave Fanning."

Dave já esteve à frente também de mais de 20 programas de TV dentro do braço visual da RTÉ, além de ter contribuído com mais de 150 outros programas em diversas redes espalhadas por todo o planeta, tendo sempre como assunto e o foco a música. Atualmente, apresenta o programa The Dave Fanning Show na RTÉ 2fm e vários programas da RTÉ Radio 1.

Nós tivemos a honra de poder conversar com ele em mais uma entrevista exclusiva para o nosso especial de 40 anos do Boy. Dave fala sobre a primeira impressão da banda, os primeiros shows, sua relação com eles, perspectivas para o futuro e muita curiosidade. Leia mais esse maravilhoso testemunho sobre não apenas o U2, mas sobre a música nas últimas décadas do século XX.

Como e quando você conheceu o U2? Qual foi sua primeira impressão sobre o som deles?

U2 em 1980

Eu conheci o U2 em Dublin, eu não me lembro do encontro, na verdade. Eu acho que eles ainda eram chamados de The Hype, estavam mudando o nome para U2. A minha primeira impressão sobre a sonoridade não foi nada de especial, particularmente, na época eu estava começando nas rádios piratas e recebia várias fitas demo de muitas pessoas, eles foram uma das bandas que me entregaram uma demo. Foi na época de lançamento do primeiro álbum do Undertones e do The Boomtown Rats, eu estava mais interessado nesse tipo de som, dando mais atenção ao Undertones, Rhythm and Blues, ir aos pubs que tocavam Boomtown Rats, que era parecido com o estilo dos Stones, daí então eu dava atenção ao som feito pelo U2, que era bom, muitas coisas eram boas e também diferentes do que o U2 fazia. Mas eles não me surpreenderam no começo, para ser bem sincero.  

O que você via de diferente no U2 em relação às outras bandas da época? Você via potencial para se tornarem uma das grandes bandas?

Eles eram diferentes de outras bandas, mas isso não significava que eles eram bons, somente diferentes. Muitas bandas eram diferentes, eu poderia citar umas 10 bandas irlandesas desta época que eram diferentes e em estilos diferentes também, dizendo que eles tinham um pouco disso e daquilo, o U2 tinha simplesmente seu próprio estilo, não era algo que eu diria “Nossa, isso é tão diferente, fantástico”, eu não sentia isso de nenhuma forma. Eu também não imaginava que eles seriam uma banda de sucesso baseando-se nas primeiras fitas demo. Esse não é o modo como vejo meu trabalho.

Como eram os shows da banda naquela época? Algum marcante para você até hoje?

Show do U2 no Project Arts Centre em 1979

Sim, tenho alguns momentos marcantes dos primeiros shows, que eram cheios de energia, mas, de novo, não era que a música deles me tocava como algumas outras bandas da época que tinham suas raízes no estilo que eu mais conhecia, como o Blues e o rock dos pubs, eles só eram diferentes, legal, mas, novamente, nada de especial. Eu estava em Londres no primeiro show que eles fizeram lá. O segundo show foi em um lugar chamado The Nashville Rooms e três bandas tocaram lá: Secret Affair, a principal, uma banda mod, havia por volta de duzentas pessoas no pub no final da noite. Não me lembro do nome da segunda banda (Back to Zero), a primeira banda era o U2 e havia, literalmente, eu sei que isso vai parecer muito estranho, mas o cara da mesa de som tinha um cachorro que estava com ele, então o cachorro assistiu ao show. Eu estava lá com dois amigos e Paul McGuinness ficou impressionado de me ver lá, e eu me lembro, não havia mais do que dez, quinze pessoas lá, e metade estava bebendo no balcão do pub. Era muito bom vê-los tocar em Londres, eu realmente não me lembro se foi um show bom, mas era ótimo para eles se apresentarem em Londres. Pouco depois disso, eles tocaram em um lugar em Dublin chamado Project Arts Centre que era um centro de apresentações multimídia, várias coisas ligadas a arte, 24 horas por dia. Você poderia comprar um ingresso para até seis horas ou para as 24 horas, algo parecido com isso. O tipo de coisa que o Pink Floyd fez em Londres doze anos antes, em 1966. Eu me lembro que fui ver o U2 porque eu escrevia para a Hot Press e, em uma sala a minha esquerda, estava passando um filme chamado “Death Race 2000” e havia, no mínimo, 250 pessoas na sala, isso era as 3 da manhã, e a banda tocando em outra sala e havia cerca de dez a vinte pessoas assistindo, foi a primeira vez que eu pensei que o cara da guitarra tinha um algo mais, que ele era muito bom e diferente também.   

O que você lembra sobre a época do lançamento de “Boy”?

Para ser muito honesto, eu não me lembro muito do lançamento de "Boy" da mesma forma que me lembro do lançamento do primeiro single porque ele significava muito para gente. Veja, eu entrei na Rádio National Pop em maio de 79, há 41 anos atrás, e eu trabalhei em rádios piratas por dois anos e a banda que mais me entregou fitas demo foi o U2. Então, eles foram a primeira banda que trouxemos para a rádio para fazer uma sessão e quando eles decidiram lançar o primeiro single que foi um tempo depois de eles estarem na cena, não foi do dia para noite, eles esperaram. Eles tocaram cinco noites seguidas na semana, uma coisa muito estranha porque não fazíamos isso com as bandas na rádio, mas eu, Ian Wilson e Paul McGuinness decidimos por isso. Eles tocavam as três músicas e os ouvintes decidiriam qual música seria lado A ou B e a música para ser descartada. Os ouvintes decidiram por "Out Of Control" no lado A e "Stories For Boys" e "Boy/Girl" do lado B. Nós tivemos um papel enorme no primeiro single e eu me lembro do lançamento que foi em Wildmill Lane e havia algumas pessoas lá, não uma quantidade enorme. Eles costumavam oferecer lanches e vinhos não tão agradáveis para essas ocasiões. Mas estava tudo bem, tínhamos um single em vinil de 12 polegadas muito especial. Eles estavam dando duro no palco durante a turnê. Isto é o que me lembro mais do que o lançamento de "Boy", que eu gostei muito, não tanto quanto algumas pessoas. E, novamente, muito diferente.

Em uma de suas entrevistas com a banda na época do “The Joshua Tree”, Bono, inusitadamente, pediu que todos ficassem sem roupa. Quais suas lembranças desse momento constrangedor?

Isso aconteceu 4 ou 5 dias antes de eles tocarem em um show enorme em Dublin, era um grande momento para a banda, voltando para tocar em casa depois de conquistar o mundo, eles tinham conquistado tudo com "Under a Blood Red Sky", que foi o final da parte I do U2. "Wide Awake in America" realmente acordou a todos. Então, eles tiveram a chance de ser a próxima banda mundial depois do Live Aid e tudo que eles tinham que fazer era a coisa certa. E eles fizeram tudo certo com "Joshua Tree", sem dúvidas. Com alguma frequência bandas têm a chance de dizer algo, esta é a sua chance e não dos outros de realmente conquistar o mundo. Muitas não aproveitam e muitas fazem algo diferente. Bruce Springsteen, depois de "Born in the U.S.A." fez um álbum completamente da sua própria cabeça, o que é admirável. Radiohead, depois do "OK Computer" voltou para o seu lado experimental, mas o U2 agarrou essa chance com as duas mãos  e eu me lembro que as primeiras 3 músicas do "Joshua" foram número um nos EUA e o álbum vendeu “zilhões” de cópias e, claro, nessa época eles se sentiam muito bem e pediram para eu fazer uma entrevista com a banda para promover o álbum e foi um pouco constrangedor porque no dia eles estavam gravando o vídeo nos estúdios Ardmore em Wicklow  para "With Or Without You" e eu fiquei no estúdio o dia inteiro, nós tínhamos uma sala reservada com 1 microfone para mim e mais quatro para a banda para falarmos sobre o álbum, e a primeira coisa que Bono perguntou foi se eu tinha ouvido o álbum, eu respondi, honestamente, que não. Ele disse que aquilo seria meio constrangedor, mas deveríamos cancelar a entrevista para que eu ouvisse o álbum. Arrumamos nossos equipamentos e voltamos para casa. Fizemos a entrevista algumas semanas depois e Bono ficou tão feliz, porque o "Joshua" significava muito para ele e para a banda toda. E quando nós fizemos a entrevista ao vivo na rádio foi muito mais divertido, Bono disse que nós fazíamos entrevistas todos os anos e deveriam fazer algo diferente, sei que parece ridículo, mas ele propôs para tirarmos as roupas. O chefe da rádio entrou lá com o filho para ver essa banda famosa U2 e ficou parado em frente ao vidro que eu estou olhando agora com cinco caras pelados bebendo cerveja dentro do estúdio da rádio nacional, o filho dele salvou o dia dizendo que aquilo era fantástico. Ele ficou em choque, mas isso é uma das coisas muito engraçadas. O fato de estarmos todos pelados foi particularmente engraçado, acho que já falei o suficiente. Bono tinha razão, isso realmente mudou a entrevista.

Naquele famoso show de Ano-Novo no Point Depot, o qual a RTÉ transmitiu e você foi responsável por introduzir a banda, Bono proferiu aquela famosa frase "Nós estamos indo embora para sonhar tudo de novo". Você realmente achou que a banda acabaria ali?

Duas coisas sobre aquela noite: a primeira, eu tive que fazer a contagem para a passagem da década, 25, 24, 23, 22 e tinha que ficar olhando para um relógio específico, aquele show também era transmitido para outras partes do mundo, e ele tinha uma diferença de aproximadamente 10 segundos. Daí eu continuei 25, 24, 23, 8, 7, 6, 5, ninguém entendeu o que estava acontecendo. Eu tive que reconhecer isso, porque está gravado em algum lugar. Não posso negar que foi ridículo. O fim do show foi Bono dizendo, “temos que parar e sonhar tudo de novo”, eu nunca parei para pensar no que ele disse, as pessoas começaram a escrever “meu Deus, o U2 está se separando?”, esse tipo de coisa. Na verdade foi isso mesmo que aconteceu, eles pararam e pensaram tudo de novo. E eles estavam sentindo muito no começo. Eles foram para Berlim e as coisas não estavam legais entre eles, se em algum momento eles passaram por uma situação difícil, foi essa. Eles tiveram que se reorganizar, daí veio o "Achtung Baby", você pode me dizer se acabou dando tudo certo. Eles conquistaram os anos 90 e também 2000 e os últimos 10 anos. “Não é grande coisa, só temos que parar e sonhar tudo de novo”, e acredite, foi exatamente o que fizeram. Eu nunca pensei que eles se separariam.

Em uma entrevista para o site Atu2, você disse que Bono o convida para ouvir o material em sua casa. Tem alguma história inusitada destas audições com ele?

Fanning com Bono em sua casa em 2014

Tudo é sempre curioso na casa dele escutando esse material. Uma coisa que Bono sempre faz é pedir para você sentar, ele é tão envolvido com a música que ele acabou de fazer que ele canta mesmo as músicas, ele se levanta e bate o pé no chão, como se estivesse no palco, ele entra no íntimo da canção, não só em termos da letra, mas também de apresentar isso em uma noite para 60, 70 mil pessoas. Ele usa todas as pessoas que estiverem nessa ocasião, não somente a mim. Isso não é muito legal para mim. Eu não sou muito bom para escutar pela primeira vez uma canção, eu preciso conviver com a situação por 3 ou 4 dias, como se fosse um papel de parede, para depois prestar atenção na música, letra. Ali (Stewart) aparece de vez em quando para oferecer uma cerveja e o marido fica meio bravo. É engraçado, legal. Ele adora tocar essas coisas novas, eu adoro ouvir isso, coisa nova do U2 vindo para mim em primeira mão e muitas vezes já fiz isso, eu me lembro de uma vez que eu estava lá com o Adam para o álbum "Pop", fiz brincadeiras com os músicos, Bono não gostou muito, mas Adam rolou no chão de tanto rir. Foi muito engraçado, eu sempre gosto de brincar com eles. Eu me lembro de uma situação sobre a música do Joey Ramone do "Songs Of Innocence", o presidente da Island estava na minha frente e Bono chegou (batendo o pé no ritmo) “I woke up at the moment ...”, e o presidente da gravadora disse “... é, isso é bom...”. Foi o momento mais surreal de todas essas reuniões, foi extremamente divertido.

Você ouve o material gravado antes mesmo dele estar pronto? Se sim, há alguma canção deixada de lado que você enxerga potencial para entrar no próximo lançamento?

Dave com Bono e Edge durante entrevista em 2017

Não. Eu sempre pensei em conversas com o Edge ou quando vejo algo novo que ele fez, uma vez nos encontramos no semáforo, cada um em seu carro, “...caramba Edge, eu não ouvi esse trabalho novo”, ele respondeu “passe em casa, então”. Aquela música do Johnny Cash, eu a escutei alguns anos antes do lançamento, porque era uma das coisas que ele tinha em casa. Mas, o que ia dizer sobre isso..., eu sempre pensei que adoraria escutar as coisas extras do Edge, eu encontrei com ele em um pub em Dublin uma semana antes do isolamento do Coronavírus e ele me mostrou em seu telefone partes de melodias que ele tem, e eu adoraria ter contato com muitas dessas coisas e tentar fazer um mosaico, quebra-cabeça de tudo isso, cimentar tudo isso para fazer uma espécie de estrada musical meio louca. Uma das coisas que eu acho que o U2 deveria fazer é um álbum ou até mesmo um álbum duplo com faixas de 16 minutos, quatro faixas de 16 minutos voltando para a guitarra dando o ritmo para as canções, não estou dizendo para ser coisas como o "Yes", "Dark Side Of The Moon" ou "Echoes" do Pink Floyd, mas eu acho que há espaço para esse tipo de canção, 17 ou 18 minutos. Tantas pequenas partes que podem ser conectadas. Sei lá, é algo que penso bastante. Não, nunca escutei algo que eles podem lançar no futuro, nunca estive em estúdio em uma situação dessas.  

Tem algum single que a banda lançou e, no primeiro momento quando ouviu, você achou que não funcionaria?

Não. Talvez "Get On Your Boots", que parecia meio normal. Tudo acaba sendo o que realmente tem que ser e, no final todos gostamos. Também nunca houve um single que escutei e achei que não daria certo. Eles também mudam muito as coisas, não existe medo de experimentar.

Nos últimos anos, Bono tem pautado seu discurso em se manterem relevantes. A banda se tornou uma das maiores bandas de todos os tempos, e para isso ocorrer tiveram mudanças de comportamento e de sonoridade, ou seja, o quão diferente é o U2 para você dos anos 80 para hoje?

Fanning e U2 no estúdio em 1982

Bem, eles cresceram e envelheceram, muitas pessoas se afastaram da banda também. Mas se você segue uma banda, quando eles lançam o álbum de número 20, você olha para trás, para o álbum 13 ou 14 e fala: “...veja, isso é autobiográfico, Bono está escrevendo sobre sua adolescência em Dublin”, o que quero dizer é que quando você gosta de uma banda, você está com ela por toda a trajetória. Por isso que amo álbuns, que podem ter faixas ruins, mas o todo dele pode significar muito para você. E é realmente isso que o álbum representa, o corpo de um trabalho de um ano, como ver esculturas que o cara demorou 3 anos para fazer e você diz que gostou de uma peça e não tem certeza sobre uma outra. Se você tivesse muita grana compraria uma delas, mas talvez não outras. E eu amo tudo isso, por isso que ainda amo os álbuns como um formato.

Essa história de estar na beira da irrelevância me enche o saco, não existe esse negócio de ser relevante ou não. Você tem que continuar com as pessoas e com credibilidade, isso não faz sentido, faça música simplesmente, não importa, não existe mais essa coisa de relevância, a música está em todos os lugares. Isso não significa nada, você não precisa competir como as bandas punks competiam, eu me lembro de Bob Geldof dizendo que ele ficava de saco cheio em ver o Clash na capa de um monte de revistas na época, ele achava que aquele deveria ser o lugar para o The Boomtown Rats, esses dias acabaram faz tempo. Não tem mais esse negócio de relevância. O fato que Bono colocou seu filho na capa e fez dois álbuns sobre crescer e mencionar Cedarwood Road em frente a 20 mil pessoas no Madison Square Garden não significa necessariamente nada para ninguém, caramba, você não precisa fazer isso, e eu acho fantástico que eles fizeram, é tão autobiográfico, maravilhoso. Eles fizeram coisas autobiográficas em "Songs Of Innocence & Experience", quem sabe o que está por vir?

Poucas bandas mantêm a mesma formação por tanto tempo. Na sua opinião, o que os fazem estarem juntos há tanto tempo e ainda continuarem no topo?

U2 em sessão de fotos em Londres em 1979. Foto: Paul Slattery.

É muito interessante que eles começaram todos juntos estando na mesma escola, eles nunca tiveram que colocar um outro anúncio no quadro de avisos dizendo que perderam o guitarrista e que alguém teria a chance de entrar para a banda. Eles convivem muito bem, não são bobos. Eles sabem como trabalhar, veja o trabalho que produziram. Eu já vivenciei situações de como eles pensam muito para se manter juntos, é além da razão o que acontece com Larry, Edge e Adam, e não preciso dizer o que acontece com Bono, o que isso demanda do seu tempo, porque quando a banda não está em estúdio, a quantidade de coisas que acontecem com Bono, líderes mundiais, é simplesmente insano. Eu não sei como ele consegue fazer tudo de maneira tão sensata, as pessoas dizem que ele bem sensato, e ele realmente, é surpreendente, eu não consigo entender. E Dublin os mantém com o pé no chão, o que é muito bom, eles vivem aqui a maioria do tempo, Adam e Edge nem tanto.

Você tem uma lista dos seus shows memoráveis da banda?

U2 tocando no Baggot Inn em 1979

Na verdade não. Eu vi a banda crescendo cada vez mais. Nas terças a noite, em 1978/79 eles tocavam em um lugar em Dublin chamado The Baggot Inn, um pub que comportava 100 pessoas, no máximo. Eles tocaram toda terça, por 6 semanas. Eu começava como DJ, depois uma banda chamada The Blades, depois eu de novo, daí o U2, e eu novamente, eu gostava muito disso, eu era DJ residente lá. Então eles decidiram tocar em um lugar que comportava 2000 pessoas, e eu pensei que essa diferença no número de pessoas era enorme e que eles não iriam lotar. Eles foram muito bem, tocaram muito bem. Para mim aquele era o máximo para a banda, nunca achei que eles tocariam fora do país. Eles já eram grandes.

E sobre os períodos da carreira da banda, você tem algum especial?

Não. Eu adoro o jeito que eles se reinventam, seu progresso, até onde já foram, como mudam. Adorei quando lançaram "Achtung Baby" e realmente deram um tempo para sonhar tudo de novo, eu realmente sigo os caras por todo esse tempo, até posso entender quem considere “...eles ainda estão por aí e são considerados grandes...”, eu nem ligo mais. Por exemplo, quando eles fizeram o esquema com a Apple para disponibilizar o álbum gratuitamente, eu achei que foi um golpe de mestre, uma coisa maravilhosa, Bono percebeu e se desculpou. Eu acho que ele nunca deveria ter pedido desculpas.

A banda irá lançar esse ano seu canal na SiriusXM, o que promete trazer muito material inédito. Eles chegaram a entrar em contato com você para considerar a transmissão de alguma das gravações da RTÉ naquela época?

U2 no Apollo Theater em 2018. Foto: Kevin Mazur.

Na verdade eu já fiz coisas para a Sirius 18 meses atrás, no verão de 2018, eles fizeram um canal 24 horas durante toda a semana exclusivo do U2, eles fizeram isso por um mês, depois estenderam para o segundo por causa do sucesso. Para agradecer, o U2 saiu um pouco da turnê para fazer um show no teatro Apollo no Harlem para umas 1400 ou 1500 pessoas, foi maravilhoso ver a banda tocando em um palco que era somente eles, sem telões, ou coisas do tipo, do jeito que eu os via há muito tempo atrás, fui espetacular ver a banda assim, com certeza havia uma lista de músicas fantásticas que eram parte de tudo, bem unidos, bons. Eles foram ali os caras simplesmente sendo o U2, só a banda, no palco. É claro que eles não estavam desprovidos da sua estrutura. O que eu acho engraçado é que quando filmei algo do show no meu iPhone, que eu não faço muito, peguei partes muito intimistas, mas o mais importante é que durante uma música, atrás das cortinas, que subiram, tinha uma espécie de balcão e havia cerca de 10 músicos com trompetes e outros tipos de instrumentos de sopro, com roupas bem coloridas, eu não entendi muito bem o que aquilo representava, com muita energia, eles estavam ali para tocar "Angel Of Harlem", e claro, nós estávamos ali. Muito bom, divertido, foi uma noite ótima. Eu tinha dado algumas entrevistas para a SiriusXM e sei que eles podem entrar em contato de novo, eles que me convidaram para esse show no Apollo, estarei em contato com eles novamente, não sei quando, talvez ainda este ano.

Você acha que o U2 vai descansar por um tempo ou eles já estão pensando no próximo álbum? Muitos fãs gostariam de ver uma turnê de aniversário do "Achtung Baby",  o que você pensa sobre isso?

Fanning e U2 na década de 90

Primeiramente, eu não tenho ideia, acho que eles produzem música com muita frequência, Bono está sempre muito ocupado fazendo todas as suas coisas surpreendentes, eu sei que muitos fãs consideram Bono maravilhoso e outros não, mas é surpreendente ver como ele é brilhante e quantas coisas ele faz e toda a sua preocupação e como ele é inteligente em lidar com tudo que ele faz, eu me sinto sempre maravilhado. Ele me faz parecer tão preguiçoso e estúpido, mas ele realmente é maravilhoso em tudo que faz. Eles está ajudando o governo irlandês a entrar em contato com Tim Cook, da Apple e o cara que é responsável pelo Alibaba (Group), todo esse tipo de coisa em comprar equipamentos da China para ajudar no combate ao Coronavírus. Ele está constantemente trabalhando e fazendo coisas boas, é maravilhoso. Eu realmente tiro o meu chapéu para ele por fazer todo esse trabalho, fantástico. Se eles vão fazer a turnê de comemoração do "Achtung"? Legal se eles quiserem. Eu não sou muito vidrado nisso, eles já fizeram para o "Joshua", e para mim já basta, fazer uma vez. Eu prefiro os últimos 10 anos de SOI e SOE, as turnês, aqueles shows, não sei se eles farão para o "Achtung", não escutei nada até agora, mas quem sabe? Se fizerem tudo bem, eu estarei lá. 

Por fim, você acredita que eles possam lançar num futuro um filme biográfico no estilo do Queen ou Elton John ou você acha que eles não tem tanta polêmica pra ganhar as telas em Hollywood?

Novo museu do U2 em Dublin recebeu aval para construção no ano passado. Créditos: ODAA.

Você está bem certo quando menciona não existir controvérsia, porque isso ajuda muito na sua vida se pretende ter um filme sobre você, é isso que muita gente quer ver. Eles não querem ver uma hagiografia de uma banda ou um cara ótimo só. Eles querem ver sobre os problemas, que, honestamente, não aconteceram muitos com o U2, eles não têm muita controvérsia e também não sei se eles gostariam de fazer isso, ser vistos desse modo. Tendo todo o sucesso dos últimos 30 anos, eles não precisam fazer isso. Mas muitos estão nessa, quando "Bohemian Rhapsody" tornou-se um grande sucesso, vamos ser honestos, era um tipo de filme de pouca qualidade, mas lucrou bilhões de dólares nas bilheterias, então o portão do paraíso para ganhar dinheiro no mudo do rock foi aberto. Daí veio "Rocket Man" do Elton John, que também se deu bem, e parece que outros virão no formato de drama ou documentário. Existe um monte de documentários de rock saindo todo o tempo, vi um recentemente do David Crosby, que é muito bom, atualmente estou assistido um dos The Go Go´s, existem tantos. Já fizeram documentários sobre o U2 também, especialmente do tipo na estrada, quem sabe o que vai acontecer. Rod Stewart e Boy George querem filmes sobre eles e, parece, é o que estamos ouvindo por aí, que uma personagem feminina de "Game of Thrones" fará o papel do Boy George. Então, quem sabe, não tenho ideia se isso vai rolar ou não e não sei se é uma boa ideia, mas não há nenhuma conversa sobre isso. Houve uma conversa, falei com Bono sobre isso há mais ou menos um ano, sobre algo do tipo, não sei como dizer, algo meio interativo, um museu em Dublin para os turistas visitarem e conheceram tudo que eles fizeram. Recentemente fui assistir Billie Eilish em Estocolmo, fui visitar o museu do Abba, também estive, 3 anos atrás, durante todo um fim de semana em Ohio no maior museu sobre rock no mundo, onde o U2 entrou para o Rock and Roll Hall of Fame. Se o U2 tiver algo do tipo em Dublin, pode ser bom, mas não sei até onde foram os planos para isso, às vezes isso dá em nada. Um filme sobre o U2, quem sabe, não tenho ideia.

Você pode ouvir a entrevista na íntegra (em inglês) a seguir:

A equipe do U2BR gostaria de agradecer a gentileza de Dave por aceitar nosso convite e conceder um pouco do seu tempo para falar conosco. Nosso muito obrigado, Dave!

*Agradecimentos à Márcio Marino pela transcrição em português

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